Afinal, o que podemos esperar do consumidor brasileiro hoje?

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Após um longo período de volatilidade macroeconômica e umas das maiores recessões da nossa história, a confiança do consumidor brasileiro parece finalmente estar recuperando o fôlego. Depois de cinco anos realizando a pesquisa anual “Consumer Sentiment”1, pela primeira vez a McKinsey pôde identificar fortes sinais de otimismo entre os consumidores: 28% dos brasileiros hoje mostram-se esperançosos em relação à economia do país, 15p.p. a mais do que no ano passado. Da mesma forma, os brasileiros já começam a esboçar sinais positivos em relação à economia familiar: 32% mostram-se otimistas hoje versus 28% em 2017. Este viés positivo influenciou recentemente o comportamento de compra do consumidor, com um expressivo aumento nas vendas de Natal (os shopping centers tiveram uma alta de 9,3% nas vendas de Natal na comparação com 2017, conforme dados da Abrasce2).

Apesar da tendência positiva, o otimismo brasileiro ainda é tímido e está muito abaixo da média observada em outros países. Em uma escala de 1 a 6, o indicador do sentimento financeiro3 do consumidor medido pela pesquisa pontua apenas 2,89 no Brasil versus 3,42 da média nos dez países mais desenvolvidos. O nível brasileiro também fica abaixo do equivalente em países em desenvolvimento como China e Índia, com 3,44 e 3,13 respectivamente.

Por mais que o consumidor esteja mais esperançoso com os sinais positivos da economia, é possível observar que os anos de recessão resultaram em aprendizados traduzidos em cautela. Entre os entrevistados, 63% dos brasileiros afirmam buscar maneiras de economizar dinheiro quando vão às compras. A cautela também é observada no relacionamento dos consumidores com as marcas: o consumidor brasileiro procura se manter leal às suas marcas preferidas, porém esta fidelidade vem acompanhada de mudanças no comportamento na hora da compra. Dessa forma, o consumidor busca maneiras criativas para continuar comprando suas marcas preferidas: 33% dos entrevistados afirmam comprá-las apenas em locais onde consideram o preço justo e 24% passaram a comprá-las em menor quantidade.

A tendência de trade down – migração para marcas mais baratas – também mostrou sinais de arrefecimento: 17% dos entrevistados optaram pela troca por marcas mais baratas, 6p.p. a menos do que o observado há 2 anos. As categorias que mais apresentaram este movimento são as de necessidades básicas do dia a dia, como produtos de limpeza (26% dos entrevistados declararam ter migrado para marcas mais baratas), arroz (23%) e leite (21%). No entanto, mesmo diante da mudança de direção da tendência,o movimento de trade down deixa consequências: uma vez alterados, não é clara a velocidade com que os hábitos de consumo podem ser revertidos. Há evidências de que quando os consumidores optam por marcas mais econômicas em um período de recessão, eles dificilmente recuam e voltam às marcas que compravam anteriormente (89% do brasileiros dizem estar satisfeitos com a nova experiência e 63% deles não pretendem voltar a comprar a marca mais cara). Em situações de recuperação após crises observadas em outros países, houve uma lacuna importante de alguns anos para que comportamentos de consumo pré-crise voltassem a prevalecer.

Algumas categorias já esboçam reações ainda mais positivas. Considerando o consumo de cervejas, vinhos e cosméticos, o brasileiro voltou a escolher marcas mais premium (realizando o que chamamos de trade up):20% relataram ter passado a consumir cervejas de marcas mais caras, enquanto 14% reportaram o mesmo movimento para vinhos e 12% para cosméticos.

Em relação aos canais, o online, que vinha aumentando a sua relevância ao longo dos últimos anos, mostra-se mais forte do que nunca. No período do Natal, o comércio eletrônico faturou R$ 9,9 bilhões no Brasil, com crescimento nominal de 13,5% em comparação com o mesmo período de 2017 - segundo dados apurados pela Ebit, do grupo Nielsen. Na pesquisa da McKinsey, 27% dos consumidores declararam ter aumentado os gastos no canal online e 55% disseram estar satisfeitos com a experiência de compra digital. A economia de tempo e de dinheiro são as principais motivações para migrarem para a compra online.

Outra evidência de que os aprendizados do período de crise deixaram sua marca é a preferência do consumidor brasileiro pelo “atacarejo”, que se tornou sinônimo de preço baixo. Cerca de 40% dos entrevistados declararam ter aumentado os gastos neste canal, e a maioria (57%) está satisfeita com a experiência. O “atacarejo” foi o canal mais visitado em 2018, segundo levantamento da Nielsen. Por outro lado, na contramão do que se tem observado em termos de investimento no mercado, na pesquisa Consumer Sentiment o canal de conveniência foi o que menos cresceu em aumento de gastos e experiência dos consumidores – apenas 18% declararam ter aumentado os gastos neste canal e 34% mostraram-se satisfeitos.

Quais são as implicações para as empresas?

Em meio a um período de retomada da confiança do consumidor e de apostas e incertezas, as empresas devem investir em reforçar o otimismo incipiente, encantando o consumidor. Para isso, há três ações imediatas que devem ser adotadas pelas empresas:

  1. Inspire seus consumidores a voltar a comprar ofertando personalização
    Neste momento de recuperação econômica inicial e maior otimismo, ainda é preciso realizar um esforço considerável para atrair os consumidores. Dessa forma, a personalização é uma importante alavanca para ganhar efetividade nos esforços de marketing. A geração de insights e ofertas adequadas aos desejos de cada consumidor através da construção de modelos preditivos a partir da coleta de dados de comportamento passado tem potencial de levar o marketing a um outro patamar, gerando resultados significativos. Em nossa experiência, essa ação pode se traduzir em até 15% de aumento nas vendas.
  2. Ofereça um portfólio de produtos com posicionamento claro: evite ficar prensado no meio
    O efeito ampulheta tem sido observado nos últimos anos e ainda deve persistir por algum tempo. Trade offs nas escolhas dos consumidores tendem a favorecer players com arquiteturas de portfólio bem equacionadas e que ofereçam boas opções para os consumidores que estão trading down. Também é importante comunicar efetivamente a proposta de valor de um produto, para que os consumidores valorizem os atributos ofertados da forma mais adequada. Não esperamos que o desejo do consumidor de economizar desapareça de uma hora para outra, mesmo em um cenário mais otimista.
  3. Ajuste a sua estratégia de canais: online e offline devem estar perfeitamente integrados para oferecer uma experiência impecável. Os canais econômicos têm um apelo inegável e a conveniência torna necessário dobrar os esforços de inteligência em termos de localização.
    Com a proliferação de canais e formatos, as empresas devem pensar estrategicamente sobre sua arquitetura de canais. Por um lado, com o online já consolidado, a integração dos canais digital e offline deve ser perfeita. Consumidores omnicanais mais conscientes e analíticos, com menores índices de lealdade às marcas e com a mesma expectativa de experiência de compra independentemente do canal são a nova realidade. O investimento em digital é algo estratégico e irreversível. Por outro lado, canais econômicos como o “atacarejo” têm forte apelo e uma importância inegável na estratégia de canais, e oferecem um retorno garantido. Além disso, embora a conveniência seja um dos formatos que vem ganhando maior impulso no segmento de alimentos, é importante entender que os consumidores ainda não têm clareza da sua proposta de valor. O importante é utilizar a inteligência de geolocalização para conseguir investir de forma seletiva neste canal.

Os resultados da pesquisa apontam para uma tendência de melhora do cenário geral e de impacto positivo em categorias específicas. No entanto, experiências anteriores nos mostram que períodos prolongados de crise mudam comportamentos de maneira duradoura. O foco das empresas em incentivar o otimismo do consumidor, ofertar um portfólio assertivo e realizar um trabalho consistente de estratégia de canais pode ser determinante para a adoção mais veloz e perene de um novo padrão de consumo.

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