O próximo ato da manufatura

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Mencione “Indústria 4.0” para a maioria dos executivos de produção e você verá muitas sobrancelhas se levantarem. Se já ouviram falar a respeito, é provável que estejam confusos e não saibam ao certo o que seja. Se ainda não ouviram falar dela, é provável que se mostrem céticos diante do que consideram ser mais um exagero de marketing, mais um slogan vazio. No entanto, um olhar mais atento ao que está por trás da Indústria 4.0 revelará algumas poderosas tendências emergentes, com forte potencial para mudar o modo como as fábricas funcionam. Talvez seja exagero dizer que se trata de uma outra revolução industrial. Mas, não importa o nome que dermos a ela, o fato é que a Indústria 4.0 está ganhando força e os executivos deveriam acompanhar atentamente as mudanças que vêm por aí e elaborar estratégias para aproveitar as novas oportunidades.

Aceitar o que está acontecendo

Comecemos com algumas definições. Definimos Indústria 4.0 como a próxima fase da digitalização do setor manufatureiro, impulsionada por quatro disrupções: o surpreendente aumento do volume de dados, da potência computacional e da conectividade, particularmente as novas redes WAN de baixa potência [LPWANs]; o surgimento de analytics e de novos recursos de inteligência de negócios; as novas formas de interação entre seres humanos e máquinas, como interfaces touch e sistemas de realidade aumentada; e as melhorias na transferência de instruções digitais para o mundo físico, como a robótica avançada e impressão 3D. (Todavia, essas quatro tendências não são o motivo da denominação “4.0”. Esta denominação vem do fato de se tratar da quarta grande revolução na indústria moderna, após a revolução lean dos anos 1970, o fenômeno da terceirização dos anos 1990 e a automação deslanchada nos anos 2000.)

A maioria dessas tecnologias digitais já vinha fermentando há algum tempo. Algumas ainda não estão prontas para serem aplicadas em grande escala, mas muitas já chegaram a um ponto em que seu alto grau de confiabilidade e seus custos menores começam a fazer sentido para aplicações industriais. No entanto, nem todas as empresas estão conscientes das tecnologias que estão emergindo. Pesquisamos 300 grandes fabricantes em janeiro de 2015; apenas 48% deles se consideram prontos para a Indústria 4.0. Setenta e oito por cento dos fornecedores dizem estar preparados.

Vejamos um exemplo de cada tendência disruptiva:

  • Big data. Certa mineradora de ouro africana encontrou maneiras de obter mais dados de seus sensores. Os novos dados mostraram algumas oscilações inesperadas nos níveis de oxigênio durante a lixiviação, um processo-chave. A correção dessa falha aumentou o rendimento em 3,7%, equivalente a até US$ 20 milhões por ano.
  • Advanced analytics. Análises mais robustas podem melhorar drasticamente o desenvolvimento de produtos. Um fabricante de automóveis vem cotejando dados de seu configurador online com dados de compras para identificar as opções pelas quais os clientes estão dispostos a pagar um adicional. Com o conhecimento assim adquirido, reduziu o número de opções de determinado modelo para apenas 13 mil – três ordens de magnitude a menos que seu concorrente, que oferecia 27 milhões de opções. O tempo de desenvolvimento e os custos de produção caíram dramaticamente; a maioria das empresas é capaz de melhorar a margem bruta em 30% em 24 meses.
  • Interfaces homem-máquina. A empresa de logística Knapp AG desenvolveu uma tecnologia de picking [separação e preparação de pedidos] usando a realidade aumentada. Os funcionários utilizam um headset que exibe informações vitais em um visor transparente, ajudando-os a localizar os itens com maior rapidez e precisão. Com ambas as mãos livres, eles podem construir paletes mais fortes e mais eficientes, protegendo melhor as peças mais frágeis. Uma câmera integrada captura os números de identificação de série e de lote para monitoramento do estoque em tempo real. O número de erros caiu 40%, entre muitos outros benefícios.
  • Transferência digital-para-físico. A Local Motors constrói carros quase inteiramente por meio de impressão 3D, com um projeto financiado por crowdsourcing em uma comunidade online.  Consegue construir um novo modelo a partir do zero em um ano, tempo muito menor que a média do setor, seis anos. A Vauxhall e a GM, entre outras, ainda estampam muito metal, mas também têm usado impressão 3D e prototipagem rápida para minimizar o time-to-market.

Essas mudanças e muitas outras semelhantes com certeza terão grande alcance, afetando cada canto das fábricas e cadeias de suprimentos. O ritmo das mudanças, porém, provavelmente será mais lento do que no setor de consumo, onde equipamentos são trocados com enorme frequência. O advento da energia a vapor e a ascensão da robótica resultaram na substituição completa de 80% a 90% do maquinário industrial. Nem de longe esperamos que ocorra o mesmo tipo de investimento de capital nos próximos anos. Ainda assim, os executivos entrevistados estimam que 40% a 50% das máquinas utilizadas hoje precisarão ser atualizadas ou substituídas.

Fazer o que parece impossível

Para capturar o potencial, os fabricantes precisam considerar três iniciativas. Primeiramente, as empresas devem coletar mais informações e fazer melhor uso delas. Certa empresa de exploração de petróleo coletava mais de 30 mil dados de cada uma de suas plataformas de perfuração – no entanto, 99% desses dados eram perdidos por problemas de transmissão, armazenamento e arquitetura. E até mesmo a minúscula quantidade de dados que conseguia capturar era extraordinariamente útil para os gerentes. Mas há muito mais que pode ser feito. Os executivos pesquisados disseram que corrigir esse tipo de ineficiência de dados deverá aumentar a produtividade em cerca de 25%.

Hoje, com dados de produção farta e amplamente disponíveis, a grande dúvida dos executivos é, compreensivelmente, por onde começar. Quais dados seriam os mais benéficos? Quais vazamentos de dados podem provocar mais prejuízos? Que tecnologias gerariam maior retorno do investimento para uma empresa, levando em conta suas circunstâncias peculiares? Para classificar e fazer uma triagem das escolhas hoje existentes, executivos de produção podem usar uma “bússola digital” (veja Quadro). A bússola consiste em oito geradores de valor e 26 alavancas práticas da Indústria 4.0. Este quadro pode contribuir para discussões entre as várias funções e ajudará as empresas a identificar as alavancas mais adequadas para resolver seus problemas específicos.

Quadro

Um tipo de valor perdido que certamente interessará os fabricantes é a eficácia dos processos. A Indústria 4.0 oferece novas ferramentas que permitem consumo de energia mais inteligente, maior armazenamento de informações em produtos e paletes (os chamados “lotes inteligentes”) e otimização da produção em tempo real. A gigante suíça ABB usou esta última em um forno de cimento australiano. Um sistema computadorizado imita as ações de um operador “ideal”, usando métricas em tempo real para ajustar a alimentação do forno, o fluxo de combustível e a posição de ventiladores e amortecedores. A empresa verificou que as novas ferramentas aumentaram a produtividade em até 5%.

O quadro geral

Os estrategistas também devem levar em consideração a Indústria 4.0 ao contemplarem a futura direção da empresa – esta é a segunda maneira de capturar seu potencial. O modelo de negócio tradicional dos fabricantes está mudando e novos modelos estão surgindo. As empresas estabelecidas precisam agir rapidamente para reconhecer e reagir a estes novos desafios competitivos. Mais especificamente, os executivos devem considerar as seguintes opções – e ficar atentos a outras opções que possam estar sendo implementadas por outros fabricantes. Oitenta e quatro por cento dos fornecedores do setor de produção que entrevistamos acreditam que novos concorrentes entrarão no mercado em breve.

  • “Plataformas” nas quais produtos, serviços e informações podem ser intercambiados em fluxos predefinidos. Podemos pensar aqui em softwares de código aberto aplicados ao contexto de fabricação. Por exemplo, uma empresa poderá fornecer tecnologia para conectar várias partes entre si e coordenar suas interações. A SLM Solutions, fabricante de impressoras 3D, e a Atos, empresa de serviços de TI, estão atualmente executando um projeto-piloto para desenvolver justamente um mercado como esse. Os clientes podem enviar seus pedidos para uma plataforma virtual de intermediação administrada pela Atos. Os pedidos são então encaminhados para a rede descentralizada de locais de produção da SLM e, subsequentemente, produzidos e enviados ao cliente. Algumas empresas também estão tentando construir um “ecossistema” próprio, como Nvidia no setor de processadores gráficos. Ela fornece recursos aos desenvolvedores de software e ajuda start-ups a criarem empresas em torno das tecnologias Nvidia.
  • Pagamento por uso e serviços de assinatura, fazendo com que o maquinário deixe de ser uma despesa de capital para os fabricantes e se torne uma despesa operacional. A Rolls-Royce foi pioneira nessa abordagem no setor de motores a jato; outros fabricantes têm seguido seu exemplo.
  • Empresas que licenciam propriedade intelectual. Hoje, muitos fabricantes têm conhecimento profundo de seus produtos e processos, mas não possuem expertise para gerar valor a partir de seus dados. A SAP oferece serviços de consultoria que se baseiam em seu software. A Qualcomm obtém mais da metade de seus lucros com royalties de propriedade intelectual. Os fabricantes talvez possam vir a oferecer serviços de consultoria ou outros negócios que monetizem o valor de sua expertise.
  • Empresas que monetizam dados. O SCiO, um projeto financiado via Kickstarter, é um espectrômetro de bolso de baixo custo que usa tecnologia de infravermelho próximo para avaliar a composição de materiais. Espera-se que custe US$ 250, ao passo que aparelhos tradicionais custam mais de US$ 10.000. Cada vez que um SCiO é utilizado, contribui para uma grande base de dados de materiais escaneados, ajudando a tornar o aparelho ainda mais preciso. Trata-se, por certo, de um produto de consumo, e ainda não está pronto para uso industrial. Mas modelos industriais já estão a caminho. A Kaggle, uma rede distribuída de cerca de 270 mil cientistas de dados, já ajudou mais de vinte empresas da Fortune 500 a resolver seus problemas de dados mais difíceis.

Para extrair máximo proveito das tecnologias da Indústria 4.0 e sair da estaca zero com um modelo de negócio digital, as empresas terão de dar um terceiro passo: preparar-se para uma transformação digital. Os fabricantes devem sair hoje mesmo à caça dos melhores talentos digitais, e pensar sobre como estruturar sua organização digital. Gerenciamento de dados e cibersegurança são problemas críticos que terão de ser resolvidos. Muitas empresas constatarão que uma arquitetura de dados de “duas velocidades” poderá ajudá-las a implantar novas tecnologias com a rapidez necessária, preservando ao mesmo tempo os aplicativos críticos para seu bom funcionamento.

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