Desenho de produtos eficazes em termos de custo com baixa emissão de carbono por meio de cleansheets de recursos

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Os CEOs reconhecem cada vez mais o imperativo ambiental. Eles entendem que, nas próximas décadas, a sustentabilidade ambiental direcionará aspectos-chave de seus negócios: financiamento, portfólio e desenho de produtos, cadeia de suprimentos, venda e pós-venda, branding, compras e até mesmo a pegada de carbono da produção. Além de estabelecer metas ambiciosas – como tornarem-se neutras em carbono até 2030 – algumas empresas já estão vinculando os salários de seus executivos a metas climáticas.

No entanto, de acordo com o mais recente relatório de progresso do Pacto Global das Nações Unidas, menos de 25% das empresas pesquisadas consideram que seus esforços incorporam políticas de mudanças climáticas em suas estratégias gerais a fim de manter-se dentro dos parâmetros.1 E mesmo nas empresas que estabeleceram metas claras de redução de emissões, os executivos seniores afirmam que têm dificuldade para balancear as pressões de custo no curto prazo e seus objetivos estratégicos de longo prazo, tais como a sustentabilidade. Para muitos deles, criar um caso de negócio para a sustentabilidade continua sendo uma tarefa nada fácil.

Mas a ação não pode esperar mais. Para cumprir o limite estabelecido no Acordo de Paris em 2015, as emissões devem ser cortadas pela metade a cada dez anos até 2050.  Essa é outra tarefa nada fácil dado que, somente entre 2000 e 2010, a taxa de aumento das emissões de CO2 dobrou. Sendo assim, como as empresas podem avançar rumo a suas metas de redução de carbono – e de sustentabilidade em geral – ao mesmo tempo em que operam de forma lucrativa?

Há muitas avenidas que levam à busca de estratégias sustentáveis, mas talvez a mais importante seja incorporar a sustentabilidade no desenho do produto, pois isso determina cerca de 80% da futura pegada de carbono. Até o momento, essa abordagem – trabalhar com avaliações do ciclo de vida do COe estimativas “should cost” – tem sido complexa. Mas ao integrar métodos robustos de custo e análise da emissão de carbono, uma nova tecnologia chamada “cleansheet de recursos” torna isso possível.

A engenharia de custo se encontra com a análise de CO2

Por muitos anos, as empresas conseguiram otimizar o desenho de produtos e serviços – e identificar oportunidades de economia de custos – usando a engenharia de custo que, quando bem executada, envolve ter uma visão do ciclo de vida dos custos. A engenharia de custo se refere a desenhar e implementar especificações com o menor custo total de propriedade possível visando balancear o desenho e os custos de procurement, manufatura, montagem e suporte in-service.

Atualmente, graças a capacidades analíticas, benchmarks e bancos de dados cada vez mais robustos, os custos ponta a ponta podem ser computados com precisão quase cirúrgica. Mais recentemente, a análise da pegada de CO2 se tornou mais disponível em geral, ajudando as empresas a cumprir suas metas regulatórias de emissão de gases do efeito estufa (GHG, na sigla em inglês) e suas obrigações de apresentação de relatórios.

Mas as duas formas de análise têm suas complexidades e, sobretudo, estão interconectadas. A maior parte das empresas avalia as emissões de carbono sob uma perspectiva de alto nível para cumprir as obrigações de apresentação de relatórios no nível da empresa. Em muitos casos, esses cálculos não incluem o conjunto completo de emissões (e raramente contabilizam fatores econômicos de forma clara). Os dois grupos de analistas também são separados: a contabilização do carbono normalmente é feita por uma equipe de sustentabilidade corporativa, enquanto as decisões sobre os produtos costumam ser tomadas pelas equipes de engenharia e compras, que tendem a não considerar as metas de CO2 de ponta a ponta, focando, muitas vezes, somente nas emissões do produto propriamente dito – se houver regulações em vigor.

Uma abordagem integrada: o cleansheet de recursos

Bem-vindo ao cleansheet de recursos. Trata-se de uma abordagem que capitaliza a transparência e a otimização que a definição de metas de custos bottom-up proporciona e que permite às empresas calcular as emissões de CO2 da mesma forma granular que o cleansheet de custos.

Ao aplicar a conhecida metodologia de custos cleansheet, é possível modelar o processo de produção de forma bottom-up para determinar as alavancas de custo associadas a cada etapa do processo – desde os insumos (tais como recepção, verificação e armazenagem de materiais) até a manufatura interna de peças, montagem, teste, embalagem e transporte de saída. Essencialmente, trata-se de combinar os custos diretos (matéria-prima, mão de obra, equipamentos, usinagem, consumo de energia e rendimento ao longo do processo de manufatura) com os custos indiretos (dos materiais indiretos a despesas de capital, despesas gerais, administração e alocações de custos únicos).

Ao adicionar um benchmark de custo para obter uma margem justa, obtém-se o  "should cost", isto é, quanto o produto deveria custar se todos os insumos fossem obtidos ao menor preço viável. Em seguida, o should cost é usado em análises de engenharia de custo, tais como design-to-cost e design-to-value, respaldando decisões sobre fazer ou comprar, pegada ambiental e volume, bem como as negociações com fornecedores.

O cleansheet de recursos segue o mesmo fluxo de trabalho da análise bottom-up, porém refere-se às emissões, agregando todos os fatores relevantes relacionados às emissões do produto ou serviço ao longo do fluxo de valor. Isso significa coletar dados sobre todo o conjunto de emissões correspondentes aos custos diretos, incluindo atividades upstream para bens e serviços comprados, consumo de energia, transporte, mão de obra direta de manufatura, equipamentos e usinagem. Também significa coletar dados sobre as emissões associadas a todos os custos indiretos relacionados ao produto, tais como despesas gerais, instalações compartilhadas, resíduos das operações e até mesmo o transporte de funcionários.

Finalmente, as emissões de atividades downstream como transporte e armazenamento, são levadas em conta. Dessa forma, os engenheiros podem mapear os dados granulares das emissões do produto em classificações dos Escopos 1, 2 e 3 estabelecidas no Protocolo de GHG, as quais são usadas por mais de 90% das empresas Fortune 500 nos seus relatórios de emissões.

Assim, designers, engenheiros e compradores podem identificar os fatores que afetam os custos e as emissões ao longo de todo fluxo de valor e do ciclo de vida de um produto ou serviço. Com o uso de uma solução de analytics para analisar o custo e a pegada ambiental de um produto em cada etapa do processo de produção é possível obter maior transparência, fazer trade-offs mais inteligentes e fundamentar estratégias mais sólidas de abatimento das emissões de CO2.

O principal benefício do cleansheet de recursos é que o mesmo modelo should cost bottom-up pode ser reutilizado para calcular as emissões de CO2 ao longo de determinada cadeia de valor, uma vez que cada material, produção e recursos suplementares têm tanto um custo financeiro quanto um custo de emissão de CO2. O cleansheet de recursos somente requer uma modelagem incremental sobre o cleansheet de custo tradicional. Além disso, o modelo should cost, que normalmente é preparado pela equipe de engenharia de custo, pode ser simplesmente transferido à equipe de sustentabilidade para ser executado com as emissões de CO2 relevantes.

Seguindo o carbono e o custo ao longo do ciclo de vida

A otimização das emissões de CO2 e o custo do produto não apenas podem ser analisados de forma conjunta como também em cada etapa do ciclo de vida, desde a matéria-prima e o processamento, passando pelo varejo e uso, até a reciclagem ou descarte. E como a análise é feita em nível granular, a empresa pode analisar diferentes ciclos – não apenas o ciclo de vida completo “do berço ao túmulo”, mas também os ciclos “do berço ao berço”, “do berço ao portão” e até mesmo “do portão ao portão”.

Qualquer iniciativa de otimização atualmente pode ter como base análises tangíveis dos trade-offs em termos do custo do produto e das emissões de CO2, sendo que o impacto nas emissões a partir de quaisquer mudanças no produto é imediatamente visível – e essa visibilidade é significativa. Não é novidade que diferentes materiais têm diferentes pegadas de carbono, mas as empresas podem facilmente menosprezar o impacto do tipo de máquina necessária para utilizá-los. Além disso, elas também podem facilmente ignorar o investimento de recursos requerido para fabricar a própria máquina, o consumo de energia específico e os tempos de ciclos necessários para a produção – todos fatores que podem responder por uma proporção considerável de emissões.

A análise de emissões também pode ser aplicada a produtos secundários como as embalagens, que podem ser fonte de mais emissões de CO2 do que o próprio produto. E todos os cleansheets de custo existentes podem ser facilmente atualizados com a adição de análises de emissões, permitindo otimizar a competitividade baseada em custo e emissão ao mesmo tempo.

Caso um:  decompondo as emissões de carbono de embalagens de analgésicos

Para testar nossa análise integrada, compramos uma caixa de analgésicos de venda livre em uma farmácia local e analisamos a embalagem do produto. A análise mostrou que as emissões diretas de CO2 (relacionadas aos materiais) eram maiores do que as das fontes indiretas (Quadro 1). A decomposição das emissões de CO2, juntamente com nossa análise de custo, revelou que havia oportunidade de reduzir tanto as emissões quanto os custos do produto.

Quadro 1

Analisamos três cenários diferentes: diminuição de 10% no peso da caixa, aumento da densidade da embalagem (para economizar materiais da caixa e do blister) e transferência da produção da embalagem a outro país (Quadro 2). O melhor resultado foi obtido com o aumento da densidade da embalagem, pois embora isso aumentaria o tempo de ciclo em 5%, os custos se reduziriam em cerca de 3% e as emissões em cerca de 5%.

Quadro 2

As empresas podem fazer análises de todo tipo na fase de desenho do produto, observando diferentes alavancas para avaliar os trade-offs. Um fabricante de automóveis, por exemplo, pode ver o que acontece ao mudar a localização da planta, com diferentes níveis de automação, emissões da rede de energia elétrica e custos de logística. Também pode comparar os efeitos de mudar para equipamentos de produção mais eficientes (tendo em mente que haverá emissões de CO2 na produção desse novo equipamento) com os efeitos de otimizar o desenho substituindo materiais ou diminuindo a densidade de um componente. A equipe de procurement pode analisar o impacto total de comprar peças de um fornecedor em uma economia em desenvolvimento em comparação a uma economia desenvolvida. Os gerentes da cadeia de suprimentos, por sua vez, podem ponderar os trade-offs de usar um fornecedor de alto custo com máquinas antigas ou um fornecedor de menor custo com equipamentos novos.

Dessa forma, os cleansheets de recursos proporcionam um meio granular e bottom-up de otimizar custos e abater as emissões de CO2. Ao dar transparência às alavancas, eles ajudam os gerentes a identificar rapidamente iniciativas de redução e definir diferentes cenários baseados nos efeitos de variações e sequenciamento.

Por exemplo, o fabricante do analgésico de venda livre que analisamos poderia utilizar a análise para decidir que um maior impacto seria obtido com a troca do fornecedor de polpa reciclada para fabricar a embalagem de cartão. Assim, ele poderia desenvolver roadmaps com os principais marcos de curto, médio e longo prazos, e monitorar o progresso em termos de redução de custos e abatimento das emissões de CO2 ao longo da cadeia de valor. Dessa forma, a análise de cleansheet permite às empresas entender não apenas as alavancas de custo, mas também as dependências, ao mesmo tempo em que viabiliza a realização de análises de trade-off de cada característica do desenho e dos recursos de produção.

Caso dois: priorizando as opções de abatimento em peças plásticas de um fabricante de máquinas de café

O teste de uma peça de plástico injetado para contenção do filtro de uma máquina de café também destaca o potencial de oportunidades de redução de custos e abatimento das emissões de CO2 por meio de um conjunto de iniciativas voltadas a fontes de emissão diretas e indiretas. Supomos que, a cada ano, são fabricadas 150.000 peças desse pequeno aparelho em acrilonitrila butadieno estireno (ABS, na sigla em inglês) em lotes de aproximadamente 12.500 peças. A planta de manufatura está localizada a 1.000 km da principal fábrica da empresa, onde ocorrem a montagem e distribuição.

O primeiro passo do exercício do cleansheet exige a criação de um modelo de custos e emissões de carbono referente à forma como a peça está desenhada e é produzida atualmente. O Quadro 3 mostra os custos de abatimento e o potencial de sete alavancas: eliminação da necessidade de tinta usando matéria-prima colorida, otimização do desenho com a redução da espessura das paredes, otimização do desenho com a simplificação da forma, mudança para polipropileno (PP), uso de PP reciclado, uso de um mix maior de energia limpa na manufatura e mudança da produção para outra localidade. O eixo X se refere ao potencial de redução de CO2 de cada alavanca. As alavancas A, B (dividida em duas possibilidades de otimização do desenho) e C representam medidas “ganha-ganha”, pois tanto os custos como o CO2 são reduzidos. As alavancas D, E F reduzem o CO2 em última instância, mas requerem um investimento inicial que aumenta as emissões em um primeiro momento. Juntas, as sete medidas poderiam cortar as emissões de CO2 em 85% anualmente, passando de 118 toneladas métricas anuais para 18.

Quadro 3

O Quadro 4 corresponde ao custo do abatimento de CO2 de cada iniciativa e mostra claramente o motivo da necessidade de um sequenciamento cuidado. A alavanca D (uso de PP reciclado) analisada isoladamente parece ter um custo negativo de abatimento do CO2. Mas isso só ocorre quando ela é vista de forma isolada, considerando o ponto de partida de uma peça feita de ABS. Como o ABS é mais caro que o PP reciclado, há uma aparente economia, porém o PP reciclado é mais caro que o PP convencional. Assim, se a empresa primeiro substituir o ABS pelo PP (alavanca C), a posterior troca por PP reciclado na alavanca D terá um custo maior. De forma semelhante, o custo de abatimento da mudança da planta de produção para outra localidade (alavanca F) é significativamente mais baixa quando observada isoladamente, conforme mostra o Quadro 4, do que quando é acionada como alavanca final do sequenciamento, conforme mostra o Quadro 3.

Quadro 4

A partir dessa análise, a empresa pode decompor o impacto das iniciativas de abatimento das emissões sobre o custo dos produtos, ajustando os números para entender o impacto de mudar determinado parâmetro (Quadro 5). As iniciativas devem ser realizadas de acordo com as prioridades do negócio – claramente, a ordem é importante devido às interdependências.

Quadro 5

O cleansheet de recursos não se aplica somente a empresas de bens de consumo e produtos médicos, mas também fornece insights em muitos outros setores. Um fabricante de automóveis, por exemplo, poderia observar o impacto de usar plástico, em vez de aço, na fabricação de carroçaria de automóveis. Ou ainda, um fabricante de componentes industriais poderia avaliar a adoção de motores elétricos síncronos de alta eficiência que utilizam ímanes de neodímio em relação a motores assíncronos convencionais de baixa eficiência.

Ao longo da cadeia de valor

A análise de cleansheet de recursos pode ser aplicada a toda a cadeia de valor. Em procurement e cadeia de suprimentos, essa abordagem promove o uso de fornecedores que adotam práticas mais sustentáveis e pode incentivar outros fornecedores a buscarem métodos de produção mais conscientes acerca da emissão de carbono.  A maior transparência e a visibilidade granular dos custos permitem à alta gerência integrar a sustentabilidade na empresa como um todo. Marketing e vendas podem promover as realizações da empresa para melhorar a percepção da marca e, em alguns casos, obter um premium.

A transparência proporcionada pelo cleansheet de recursos dá às empresas um novo nível de flexibilidade. E está presente não apenas nas fases de desenho ou redesenho iniciais, mas também quando há uma necessidade de trocar de fornecedor ou fazer alguma mudança em qualquer ponto da cadeia de valor. Dessa forma, as iterações e o refinamento não serão tão complicados, onerosos ou arriscados.

Ao criar um vínculo imediato e visível entre o custo do produto e as emissões de CO2, as empresas podem identificar as alavancas mais importantes que resultarão nas maiores economias a fim de implementá-las primeiro. Em seguida, elas podem analisar o impacto em termo do trade-off entre a pegada de CO2, a margem de lucro e o valor ao cliente. Isso permite às empresas capturar o máximo valor com base em seus próprios requerimentos para tomar decisões estratégicas baseadas no potencial de mitigação de risco no longo prazo e nos recursos disponíveis. Com isso, as empresas obtêm vantagens competitivas em suas estratégias de desenho sustentável.

Além de apoiar as metas e o compliance regulatórios, o cleansheet de recursos tem o potencial de impulsionar inovações na área de eficiência energética, seja em materiais, processos ou logística. À medida que mais empresas adotarem essa abordagem transparente e integrada, aumentará a pressão sobre os fornecedores, empresas de terceirização, produtores de energia e fornecedores de outros insumos para buscarem práticas mais conscientes do ponto de vista ambiental. Com o esforço incremental, os cleansheets de recursos podem ser estendidos para além das emissões de CO2, abrangendo fatores ambientais, sociais e de governança, tais como consumo de água, geração de resíduos, uso de materiais perigosos e outras emissões de GHG.


Desde 2017, a política de sustentabilidade da União Europeia exige que várias empresas declarem suas estratégias ambientais. Ao mesmo tempo, empresas líderes listadas em bolsa estão cada vez mais codificando seu compromisso com práticas sustentáveis para as próximas décadas, ao mesmo tempo em que os stakeholders demandam maior transparência e documentação sobre a pegada de carbono das empresas. Além das implicações para o compliance e a demanda dos clientes, a demora na realização de esforços de sustentabilidade tem consequências reais: a pesquisa de nossos colegas descobriu que empresas sem uma estratégia ambiental, social e de governança correm o risco de sofrer uma queda de dois dígitos nos ganhos antes dos impostos, depreciação e amortização.

O uso de uma abordagem integrada de cleansheet de recursos e de custos pode fazer as organizações passarem de um cálculo “aproximado” a uma avaliação sólida e metódica, baseada em transparência e flexibilidade, que dará a elas a agilidade de que precisam para serem boas gestoras e competirem de forma rentável em um ambiente de negócios em rápida transformação.

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