Como a COVID-19 está transformando as cadeias de suprimentos

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As empresas corrigiram apenas em parte as deficiências das cadeias de suprimentos globais expostas pela pandemia de coronavírus. Diante dos novos desafios, concluir esse trabalho tornou-se ainda mais urgente.

Em maio de 2020, grande parte do mundo ainda enfrentava a primeira onda da pandemia de COVID-19. Lockdowns, ordens de rígido isolamento social e restrições a viagens provocaram disrupções nas atividade de todas as partes da economia. A demanda evaporou em algumas categorias e disparou em outras. Enquanto lutavam para não fechar as portas, as empresas também planejavam mudanças estratégicas significativas na configuração e funcionamento de suas cadeias de suprimentos. Em 2020, quando entrevistamos pela primeira vez altos executivos de cadeias de suprimentos de vários setores e regiões, 93% afirmaram que pretendiam tornar as cadeias de suprimentos muito mais flexíveis, ágeis e resilientes.

Doze meses depois, no segundo trimestre de 2021, repetimos a pesquisa com um grupo igualmente diversificado de líderes de cadeias de suprimentos. Dessa vez, pedimos aos entrevistados que descrevessem as medidas que haviam tomado para fortalecer suas cadeias de suprimentos ao longo do ano, como essas mudanças se comparavam com os planos elaborados no início da crise, e como esperavam que as cadeias de suprimentos continuariam a evoluir nos meses e anos vindouros.

É mais rápido formar estoques do que construir fábricas

Na pesquisa de 2020, pouco mais de três quartos dos entrevistados afirmaram que planejavam aumentar a resiliência efetuando mudanças físicas na configuração da cadeia de suprimentos. Este ano, a esmagadora maioria (92%) afirmou que já havia realizado essas mudanças.

Contudo, nossa pesquisa revelou algumas mudanças significativas na estratégia de configuração das cadeias de suprimentos. No ano passado, a maioria das empresas planejou atuar em diversas frentes ao mesmo tempo para aprimorar a resiliência da cadeia de suprimento – por exemplo, aumentar o estoque de produtos, componentes e materiais críticos; diversificar as bases de fornecimento; e tornar mais locais ou regionais as redes de suprimentos e de produção. Na prática, as empresas se mostraram muito mais propensas do que o esperado a aumentar os estoques e muito menos propensas a diversificar as bases de fornecimento (a única exceção notável sendo o fornecimento de matérias primas) ou a implementar estratégias de nearshoring [terceirização para países próximos] ou regionalização (Quadro 1).

Quadro 1

Cada setor reagiu de maneira bem diferente ao desafio da resiliência da cadeia de suprimentos. Empresas da área de saúde se destacaram como líderes em resiliência. Foram as que aplicaram a mais ampla gama de medidas: 60% dos entrevistados da área de saúde afirmaram ter regionalizado a cadeia de suprimentos e 33% levaram a produção para mais perto dos mercados finais. Em comparação, apenas 22% das empresas automotivas, aeroespaciais e de defesa regionalizaram a produção, embora na pesquisa de 2020 mais de três quartos delas houvessem dito que iriam priorizar essa abordagem. As empresas de produtos químicos e commodities foram as que efetuaram o menor número de alterações na configuração da cadeia de suprimentos durante o ano que passou.

Algumas das diferenças entre os setores podem ser atribuídas às características estruturais de cada um: por exemplo, produtos químicos e metais são áreas que exigem uso intensivo de ativos e locais de produção grandes e caros. Portanto, os investimentos para aumentar a capacidade podem levar anos até darem frutos. Outros entrevistados, por sua vez, disseram ter tido dificuldades em encontrar fornecedores adequados para implementar seus planos de localização/regionalização ou nearshoring.

Entretanto, apesar desses desafios, a regionalização continua sendo uma prioridade para a maioria das empresas. Quase 90% dos entrevistados disseram que esperavam alcançar algum grau de regionalização nos próximos três anos; já nos setores de saúde, engenharia, construção e infraestrutura, 100% afirmaram que essa abordagem é relevante.

Quase 90% dos entrevistados disseram que esperavam alcançar algum grau de regionalização nos próximos três anos.

Gestão de riscos: Maior amplitude, profundidade insuficiente

A pandemia fez com que os riscos saltassem para o topo da agenda de quase todas as empresas. Pela primeira vez, a maioria dos entrevistados (95%) afirmou ter processos formais para gerir os riscos da cadeia de suprimentos. Além disso, 59% das empresas disseram ter adotado novas práticas de gestão desses riscos nos últimos 12 meses. Uma pequena minoria (4%) chegou a criar uma nova função de gestão de riscos a partir do zero, mas a maioria dos entrevistados afirmou ter apenas reforçado capacidades existentes.

As ações tomadas pelas empresas variaram conforme o seu grau de maturidade em gerir os riscos da cadeia de suprimentos antes da crise. Empresas com pouca ou nenhuma experiência em gestão de riscos tenderam a investir em novas ferramentas de software, enquanto organizações com mais maturidade focaram principalmente a implementação de novas práticas.

O monitoramento proativo dos riscos dos fornecedores foi o foco principal dessas iniciativas, embora na maioria das empresas ainda existam graves pontos cegos no modo de gerir os riscos da cadeia de suprimentos. Pouco menos da metade das empresas em nossa pesquisa afirmou entender a situação geral de seus fornecedores de nível 1 e os principais riscos que eles enfrentam. Contudo, apenas 2% disseram o mesmo acerca dos fornecedores do terceiro nível ou além. Isso é importante, pois hoje grande parte da escassez mais urgente de suprimentos – por exemplo, semicondutores – ocorre nos níveis mais profundos da cadeia de suprimentos (Quadro 2).

Quadro 2

Planejamento da cadeia de suprimentos: Um teste para a tecnologia e as organizações

A transição para o trabalho remoto foi um dos efeitos mais imediatos e marcantes das restrições que a pandemia provocou na mobilidade e no acesso aos locais de trabalho. De modo geral, os entrevistados de nossa pesquisa acreditam ter gerenciado bem essa transição: 58% deles relataram bom desempenho no planejamento da cadeia de suprimentos no ano passado. Os 42% restantes afirmaram que o trabalho remoto causou atrasos na tomada de decisões relativas à cadeia de suprimentos.

Em grande medida, o sucesso do planejamento de uma organização está ligado ao uso de ferramentas digitais modernas, especialmente advanced analytics. Comparadas com as organizações que relataram problemas, as empresas bem-sucedidas são 2,5 vezes mais propensas a já contar com capacidades preexistentes de advanced analytics. Dentre as empresas que tiveram dificuldades para gerenciar a cadeia de suprimentos durante a crise, 71% afirmaram que estão ampliando o uso de advanced analytics.

Os benefícios de advanced analytics na gestão da cadeia de suprimentos estão agora sendo reconhecidos em todos os setores. Com a única exceção da área de saúde, mais de 50% dos entrevistados dos demais setores afirmaram ter implementado abordagens analíticas adicionais durante os últimos 12 meses (Quadro 3). As maiores mudanças ocorreram nos setores que menos utilizavam essas abordagens antes da pandemia. No caso das commodities, por exemplo, 75% das empresas estão hoje ampliando o uso de advanced analytics e as 25% restantes afirmam que planejam fazê-lo no futuro. O único setor em que a corrida para adotar técnicas de advanced analytics dá sinais de desaceleração é o de eletrônica avançada e alta tecnologia, onde sua adoção já é bastante alta.

Quadro 3

A digitalização continua aumentando, mas isso pode não durar para sempre

Com tanto interesse em advanced analytics, não chega a surpreender que a crise tenha catalisado um aumento da digitalização dos processos de ponta a ponta das cadeias de suprimentos. A esmagadora maioria dos entrevistados de nossa pesquisa afirmou ter investido em tecnologias digitais para a cadeia de suprimentos durante o ano passado – e quase todos investiram mais do que haviam planejado originalmente. Embora empresas automotivas e de commodities tenham relutado em fazer investimentos adicionais em meio às incertezas do início de 2020, por exemplo, todas elas acabaram realizando tais investimentos (Quadro 4). Além disso, quase todas as empresas também planejam realizar mais investimentos digitais no futuro. A construção civil é o único setor em que os entrevistados se mostraram propensos a investir em tecnologias digitais para a cadeia de suprimentos nos próximos anos.

Quadro 4

As iniciativas de digitalização planejadas e já em andamento de hoje tendem a se concentrar na visibilidade, pois as empresas querem obter uma imagem mais precisa do desempenho em tempo real de sua cadeia de suprimentos. Por exemplo, de maio de 2020 até hoje, 30% dos entrevistados implementaram novos sistemas digitais de gestão do desempenho – elemento imprescindível para aumentar a visibilidade da cadeia de suprimentos. O aprimoramento das ferramentas de planejamento – seja para aspectos específicos da cadeia de suprimentos (como gestão da logística) ou para sistemas mais abrangentes de planejamento de ponta a ponta – aparece em segundo lugar entre as empresas de nossa pesquisa: mais de três quartos afirmam que tais ferramentas são uma prioridade. Pouco menos da metade dos entrevistados também afirma estar investigando ferramentas de modelagem de redes para melhorar o desenho da cadeia de suprimentos no longo prazo. No entanto, apesar da prevalência e do impacto dos choques nas cadeias de suprimentos nos últimos dois anos, apenas 39% das empresas estão investindo em ferramentas para monitorar riscos e disrupções (Quadro 5).

Quadro 5

Quando se trata de acelerar a digitalização, a escassez de talentos continua sendo uma grande barreira – e essa lacuna de habilidades está aumentando. Em nossa pesquisa de 2020, apenas 10% das empresas afirmaram possuir talentos digitais internos em número suficiente. Neste ano, essa proporção caiu drasticamente, chegando a apenas 1% (Quadro 6). Os entrevistados relataram uma série de ações em andamento para resolver essa escassez de habilidades digitais, incluindo requalificação (55%) ou realocação (30%) do pessoal existente, contratação de novos talentos no mercado de trabalho (52%) e contratação de pessoal especializado para projetos específicos (21%).

Quadro 6

Próximos passos: As cadeias de suprimentos estão em um ponto de inflexão

A crise da COVID-19 colocou as cadeias de suprimentos no centro das atenções.  Ao longo do ano que passou, líderes de cadeias de suprimentos tomaram medidas decisivas para enfrentar os desafios da pandemia, adaptando-se efetivamente a novas formas de trabalhar, aumentando os estoques e aprimorando as habilidades digitais e de gestão de riscos. No entanto, apesar desse progresso, outros eventos recentes mostraram que as cadeias de suprimentos continuam vulneráveis a choques e disrupções, e muitos setores hoje lutam para superar a escassez do lado da oferta e as limitações de capacidade logística. O mais preocupante é que esses novos problemas estão surgindo justamente no momento em que a atenção da alta liderança está se desviando dos problemas da cadeia de suprimentos. Em muitos setores, há sinais de que a taxa de investimento em tecnologias digitais para a cadeia de suprimentos está diminuindo. O nível de escassez de talentos nunca foi tão elevado, a transparência de ponta a ponta ainda é uma ilusão e o progresso rumo a estruturas mais localizadas e mais flexíveis para a cadeia de suprimentos tem sido menor que o previsto.


Os próximos meses deverão ser críticos para os líderes de cadeias de suprimentos. Algumas empresas irão aproveitar o impulso que ganharam durante a pandemia e tomarão medidas decisivas para adaptar a configuração da sua cadeia de suprimentos, modernizar suas tecnologias e desenvolver suas capacidades. Outras poderão retroceder, retomando maneiras antigas de trabalhar que as colocarão em desvantagem para competir com concorrentes mais ágeis em termos de custos ou serviços, deixando-as vulneráveis a choques e disrupções.

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