“Transformática”: a ciência por trás das transformações bem-sucedidas

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Como já observamos, o termo “transformação” pode ser vago e, muitas vezes, refere-se apenas a um conjunto de iniciativas restritas ou isoladas. O que deveria definir uma transformação é, na verdade, justamente o oposto: um programa intenso, holístico e bem gerenciado, abrangendo a organização inteira, para melhorar tanto o desempenho como a saúde organizacional.

Desde a criação da Prática de Transformações da McKinsey há cerca de dez anos, tivemos a oportunidade de apoiar nossos clientes em centenas de transformações em todo o mundo, sendo mais de 40 casos no Brasil. Globalmente, em nossos programas de transformações, tivemos o envolvimento de mais de 120 mil líderes, implementado 250 mil iniciativas e gerando mais de US$ 150 bilhões em impacto recorrente e US$ 500 bilhões de valor aos acionistas.

Recentemente decidimos investigar os dados dessas transformações e utilizar metodologias de advanced analytics para obter insights mais granulares sobre o que poderia fazer a diferença entre o sucesso e o insucesso de uma transformação. Mais ainda, identificamos quais foram as características daquelas que se destacaram e ficaram no primeiro quartil. Chamamos esta análise de “Transformática”1https://www.mckinsey.com/business-functions/transformation/our-insights/the-numbers-behind-successful-transformations) por K. Laczkowski, T. Tan T e M. Winter., na qual medimos o resultado das centenas de transformações e identificamos alguns fatores-chaves de sucesso.

O estudo destacou cinco insights que mostraram uma correlação estatisticamente significativa com a criação de valor superior ao longo de um período entre 18 e 24 meses. Tomados em conjunto, esses insights sugerem potenciais lições para executivos seniores que desejem aumentar a probabilidade de uma transformação bem-sucedida. Analisemos um por vez.

1. Pense grande

Sir Ken Robinson, renomado reformulador educacional britânico em seu famoso Ted talk disse “O problema não é que miramos muito alto e falhamos. É justamente o contrário: aspiramos muito pouco e por isso somos bem-sucedidos".

Na nossa experiência, é comum os executivos, conscientemente ou não, estabelecerem metas que não refletem o potencial total da empresa. Primeiro porque é difícil que as empresas tenham as melhores práticas em tudo que fazem. Segundo porque nossa cultura empresarial muitas vezes acaba incentivando o famoso “prometer menos para entregar mais”.

Em nossa pesquisa observamos que transformações bem-sucedidas geralmente começam com um processo independente de due diligence que visa alicerçar o potencial de grandes melhorias na empresa com evidências objetivas e mensuráveis. Identificamos que quando a diligência é realizada de forma independente, ela aponta, em média, um potencial total 2,7x superior às estimativas iniciais da diretoria, podendo chegar a 3-4x em alguns casos.

Segundo nossas análises e depoimentos de CEOs que lideraram algumas das transformações de maior sucesso na América Latina, empresas que definem suas metas de transformação de forma mais aspiracional, em linha com o potencial identificado na diligência, tendem a gerar retornos aos acionistas bem acima da média, e ainda conseguem capturar cerca de 85-100% do potencial total em até 24 meses.

2. Defina um escopo abrangente

Nossa pesquisa sugere que empresas bem-sucedidas geralmente optam por uma transformação completa de toda a organização, em vez de a restringirem apenas a algumas unidades de negócio ou funções. Quanto mais abrangente o escopo, maior a probabilidade de todas as funções criarem oportunidades de geração de valor.

Empresas de performance superior estão simultaneamente atentas a receitas e custos. Nossos dados mostram que, na média, 55% do valor das transformações na América Latina foi gerado por iniciativas de crescimento. Isso serve para lembrar que uma transformação não diz respeito apenas à redução de custos. Constatamos que a redução das despesas gerais e administrativas, incluindo a redução do número de funcionários, representa, em média, apenas 9% dos ganhos gerais de uma transformação.

3. Mobilize e empodere grande parte da organização

Outro aspecto importante para conduzir as iniciativas de transformação é o número de pessoas envolvidas. Organizações que alcançaram desempenho no quartil superior mobilizaram parte substancial de sua força de trabalho. Os números mostraram que, na média, 54% das transformações envolveram diretamente mais de 250 colaboradores na execução das iniciativas, sendo que cada colaborador foi responsável por, em média, 2 iniciativas ao longo da transformação.

Nossa experiência mostra que quando as entregas são mais rápidas e têm menos níveis de aprovação, os funcionários se motivam mais para alcançar o sucesso da transformação.

Pudemos constatar também que nas transformações de maior sucesso, a lógica do 80/20 nem sempre funciona. A análise estatística nos mostra na verdade o oposto – nas transformações de maior sucesso, 50% do valor veio de iniciativas menores (que definimos como aquelas tendo valor inferior a 0,5% do valor total da transformação) – ou seja os pequenos ganhos motivam e envolvem as tropas e são relevantes para o valor final alcançado.

4. Avance depressa e renove com frequência

Nossos estudos sugerem que empresas com transformações do quartil superior avançam rapidamente e estão sempre se renovando. Em uma transformação bem-sucedida, a empresa costuma acelerar imediatamente e, em poucos meses, transforma o esforço inicial de geração de ideias em um plano viável e rigoroso. A execução segue em um ritmo igualmente intenso. Dito isto, porém, cada transformação é diferente; algumas, por natureza, levarão mais tempo (por exemplo, mudanças significativas no portfólio ou grandes mudanças no modelo de negócio). Em média, as transformações bem-sucedidas tendem a implementar iniciativas que efetivam 57% nos primeiros seis meses e 74% do valor total da transformação nos primeiros 12 meses (Quadro 1).

Quadro 1

Quando uma empresa consegue obter “ganhos rápidos” – p.ex., utilização mais eficiente do capital de giro e melhor gerenciamento de gastos discricionários – logo no início do processo, ela tem condições de usar essas economias para financiar ambições de prazo mais longo, como desenvolvimentos de novos canais e digitalização de alguns processos-chave.

Os números mostram que de 100% do valor entregue na média das transformações, apenas 55% veio das iniciativas que foram criadas no primeiro ciclo de planejamento. Isto quer dizer que existe uma mortalidade e que quase metade do valor gerado foi através de iniciativas geradas posteriormente. E isto faz parte do jogo e é até bom. Afinal, se os executivos não estão falhando em algumas iniciativas, é porque possivelmente não estão se desafiando ao máximo. O importante é criar um processo e uma cultura de compensar as perdas com outras iniciativas o mais rápido possível. Afinal, o potencial identificado inicialmente ainda continua. Desse modo, a transformação se torna um ciclo virtuoso.

Outro dado interessante é que a maioria das transformações que analisamos conseguiram obter retorno satisfatório em um período entre 6 e 12 meses. Isso reforça a necessidade de não esperar ou procrastinar o início da transformação, a fim de não perder oportunidades que poderiam ser capturadas no curto prazo.

5. Promova a saúde organizacional e mudanças culturais

Um erro comum cometido por algumas empresas é negligenciar a saúde organizacional e a cultura, e não promover ajustes nas mentalidades e comportamentos limitantes para sustentar a melhoria do desempenho. Por mais de 15 anos, nosso Índice de Saúde Organizacional (OHI, na sigla em inglês) tem monitorado a saúde de mais de mil empresas em uma centena de países, agregando as perspectivas de milhões de colaboradores sobre práticas de gestão ao longo de dimensões como execução, liderança, responsabilização e inovação. Os resultados permitem que uma empresa veja como ela se compara com outras do mesmo setor ou geografia no nosso banco de dados. Consistentemente, empresas com um índice elevado de OHI têm desempenho financeiro superior ao de seus pares. Na verdade, o retorno total dos acionistas de empresas de capital aberto que estão no quartil superior do OHI é três vezes maior que o gerado por empresas do quartil inferior (Quadro 2).

Quadro 2

Além de estabelecerem iniciativas especificas e definirem metas claras e mensuráveis de saúde organizacional compatíveis com seus objetivos financeiros, empresas cujas transformações são mais sucedidas valorizam o engajamento, promovem mudanças de mentalidades e comportamentos e incentivam o diálogo desde o início. Neste ponto, os altos executivos têm um papel fundamental.

É comum ouvirmos que “uma transformação é um jogo de dados” e que as empresas deveriam contar com a sorte. Com certeza, toda empresa em transformação enfrenta desafios únicos e existem variáveis que nenhuma empresa pode controlar. Porém, nossa pesquisa prova que os líderes têm uma influência significativa sobre a probabilidade do sucesso (ou fracasso) de uma transformação. Nossas conclusões sugerem que as organizações devem pensar grande, definir um escopo abrangente, mobilizar e empoderar um número grande de colaboradores, avançar depressa, renovar com frequência e promover a saúde organizacional, se quiserem alcançar um desempenho significativamente superior ao de seus pares.

A Transformação é uma ciência, não uma arte. E os números contam a história.

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