O novo normal do crédito no Brasil

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Nos últimos anos, o mercado de crédito brasileiro modificou-se intensamente com a pandemia da Covid-19 e o auxílio emergencial, que estimularam a digitalização e a bancarização da população. Adicionalmente, houve um aumento da inadimplência, com 66,6 milhões de pessoas endividadas de acordo com dados de maio de 2022 da Serasa Experian.

Neste contexto, um estudo realizado neste ano pela McKinsey & Company traz uma perspectiva de como ocorreu essa transformação do ponto de vista do brasileiro endividado, jogando luz à nova dinâmica estabelecida neste mercado.

As novas preferências do cliente tomador de crédito

Em um estudo realizado com 1.000 pessoas em todo o território nacional, uma das mudanças de comportamento percebidas está na forma como a população busca por crédito: 77% dos clientes bancarizados têm o hábito de pesquisar diferentes instituições financeiras, revelando que a fidelidade dos clientes aos bancos ficou no passado. Além disso, 72% dos entrevistados têm preferência pela contratação por meio de plataformas digitais, mesmo nas faixas etárias mais avançadas acima de 50 anos.

Na oferta de crédito, o tamanho da parcela é o fator mais importante para classes mais baixas (30% vs. 24% das classes mais altas), enquanto a taxa de juros é o atributo mais valorizado pelas classes mais altas (32% vs. 27%). Entretanto, 36% do público entrevistado afirma recorrer primeiramente ao crédito informal, com familiares e amigos.

A pesquisa também revelou que existe uma demanda da população por alternativas ao cartão de crédito no que tange o parcelamento de compras. Mais de 70% dos entrevistados gostariam de receber alternativas de parcelamento no formato de crediário ou buy-now-pay-later, versão digital que vem sendo fortemente difundida na Europa. Com a chegada do PIX parcelado, esse produto deve se tornar relevante como alternativa ao cartão de crédito.

O estudo também mensurou a disposição dos clientes em agregar garantias em troca de um empréstimo mais vantajoso em termos de taxa, prazo e montante emprestado. O uso do FGTS, que já é praticado em sua forma de antecipação de saque-aniversário, foi apontado por 60% dos tomadores como uma boa alternativa. Por outro lado, agregar a garantia de bens próprios como casa e automóvel é preferência para 47% dos entrevistados, enquanto a garantia de joias ainda é mais restrita às classes A e B.

A pesquisa deu um passo além com a simulação de alguns cenários hipotéticos de agregação de garantias. Neste cenário, autorizar o bloqueio em caso de inadimplência do empréstimo é algo viável para 47% dos entrevistados em troca de vantagens. Já quando expostos à possibilidade de autorizar o bloqueio do celular em caso de não pagamento do empréstimo, apenas 35% estariam dispostos a autorizar esse procedimento, revelando uma relação de dependência com os dispositivos móveis.

A tendência do crescimento da bancarização

Quando abordamos crédito, também é importante analisarmos a bancarização, que contribui para aumentar o acesso da população ao crédito. Durante a pandemia, entre 2019 e 2021, foi registrado um aumento de 5% ao ano na bancarização. Segundo dados do Banco Central, em 2020, auge da crise sanitária, 14 milhões de brasileiros abriram, pela primeira vez, uma conta bancária.

No entanto, ainda há 34 milhões de pessoas que não possuem conta bancária no país ou que utilizam a conta com pouca frequência. É importante ressaltar que estes consumidores buscam créditos em outras instituições, contribuindo para o cenário de inadimplência.

A mudança na natureza do inadimplente

Hoje, mais de 40% da população brasileira considera-se inadimplente, especialmente adultos entre 30 e 49 anos das classes mais altas, com 23% desse grupo tendo um total de dívidas superior a 5 mil reais. Para essa parcela da população, o corte de gastos e a utilização de renda extra são os principais meios de pagamento de dívidas. Por fim, 73% sinalizam que recorrem ao uso de dinheiro extra como 13º salário, que costuma ser uma renda fundamental para a quitação das dívidas.

Apesar da busca de alternativas para arcar com os empréstimos, a previsão de quitação da dívida não é de curto prazo: apenas 21% dos inadimplentes pretendem pagar as dívidas nos próximos 30 dias. Este comportamento ocorre devido a uma tendência de inadimplência estrutural motivada pelo aumento das despesas, redução da renda e do emprego, e não por imprevistos ou falta de planejamento, por exemplo.

A saída da inadimplência e as melhores estratégias de negociação

Na etapa de negociação da dívida, existe um potencial de melhoria na forma de contato: a pesquisa mostra que aproximadamente 47% dos respondentes preferem ser contatados por WhatsApp e SMS, seguido por 27% que preferem ligação telefônica. Este comportamento é explicado pela aceleração da digitalização ao longo da pandemia, proporcionando maior conforto sem a necessidade de sair de casa.

Ainda sobre os canais, é importante ressaltar que para 31% dos entrevistados muitas melhorias devem ser feitas no contato via mensagens eletrônicas, enquanto 28% afirmam que a cordialidade no atendimento é um ponto de atenção.

Já para quitar as dívidas, 62% preferem pagá-las à vista e com desconto em vez de assumirem mais parcelas e arcar com o valor cheio. Essa é uma prática que alguns credores oferecem e que pode reverter de forma significativa o atual cenário caso seja adotada por mais instituições durante as negociações.

É inegável que ocorreram mudanças estruturais no setor de crédito. Com a adesão da digitalização por parte dos consumidores, espera-se que a relação e o contato com as empresas do setor sejam mais digitais ao longo de toda a jornada do consumidor, desde a contratação do crédito até a etapa de recuperação.

É relevante destacar também que os consumidores estão buscando alternativas aos bancos e produtos tradicionais, considerando, por exemplo, o buy-now-pay-later, marketplaces de crédito e até mesmo o PIX parcelado a fim de contratarem empréstimos no futuro. Todas essas variáveis demandam um novo olhar para o setor de crédito, exigindo uma mudança na dinâmica atual desde o posicionamento de mercado e portfólio até o relacionamento com o cliente.

Nessa conjuntura, as instituições financeiras precisam repensar tanto seus produtos de crédito e recuperação quanto as experiências que proporcionam aos clientes. Em produtos, é preciso oferecer alternativas adaptadas à nova realidade econômica, com combinações de prazos e taxas que sejam atrativos e sustentáveis para cada segmento. Nas jornadas de contato, ao redefinir as estratégias comerciais, é fundamental considerar o aumento da relevância dos canais digitais para todos os perfis de clientes assim como a importância da conveniência, disponibilidade e omnicanalidade.

A implementação de uma estratégia vencedora em crédito exige que as organizações invistam em desenvolver diferentes competências, como por exemplo a modernização da infraestrutura tecnológica, alavancagem de dados, analítica avançada e digitalização de jornadas com integração de canais. Em nossa experiência, temos observado como principais desafios a atração e desenvolvimento de talentos não típicos de áreas de crédito, como profissionais de tecnologia e dados, e a modernização de sistemas para permitir agilidade na adequação de políticas, integração de canais e disponibilização de dados em tempo real.

As instituições financeiras que se mostrarem capazes de se adequar e responder rapidamente às mudanças nas demandas e expectativas dos clientes terão a oportunidade de capturar ganhos expressivos em um mercado ávido por inovações em experiência e por ofertas que atendam às suas necessidades específicas.

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