McKinsey Quarterly Five-Fifty

América Latina e seus "missing middles": um grupo dinâmico de empresas de médio porte e o poder aquisitivo da classe média

A América Latina costumava ser a região emergente mais próspera do mundo, mas está prestes a ser ultrapassada por outras regiões que já foram consideravelmente mais pobres. A despeito de iniciativas de reformas, vem perdendo terreno desde a década de 1980 por causa do crescimento lento e da distribuição desigual dos ganhos desse crescimento.

O “missing middle” da América Latina: a retomada do crescimento inclusivo (PDF—2MB) concentra-se principalmente no Brasil, Colômbia e México, e examina dois “missing middles” que impedem a região de avançar: o número insuficiente de empresas de médio porte e uma classe média pequena demais para ter verdadeiro poder de compra. Essas duas esferas estão conectadas: expandir o número de empresas modernas e competitivas poderá criar empregos de salário melhor e aumentar a demanda da classe média, necessária para novos investimentos. A disrupção provocada pela adoção de tecnologias digitais constitui uma oportunidade para reiniciar esse ciclo virtuoso de crescimento – mas exigirá reformas que ajudem as empresas a competir e os trabalhadores a se preparar.

Seção 1

A América Latina enfrenta um duplo desafio: crescimento lento do PIB e distribuição desigual dos ganhos desse crescimento

O crescimento na América Latina tem sido mais lento e volátil do que em outras economias emergentes. Além disso, a distribuição desigual dos ganhos desse crescimento foi incapaz de aquecer a economia doméstica e sustentar o crescimento.

O crescimento do PIB na região foi, em média, 2,8% ao ano entre 2000 e 2016, muito abaixo dos 4,8% de 56 outras economias emergentes no mesmo período (sem incluir a China, que cresceu duas vezes mais depressa). Dentre as economias da América Latina, a do Peru foi a que cresceu mais vigorosamente, 5,2% ao ano em média. Dos três países que são o foco deste relatório, a Colômbia teve o melhor desempenho, com crescimento médio de 4,2%. A taxa de crescimento do Brasil – 2,4% – ficou mais próxima da média da região, enquanto a do México foi a mais baixa, 2,1%. Além de fraco, o crescimento da região tem sido volátil: impulsionados pelo boom das commodities, os preços de recursos como petróleo, minerais e alguns produtos agrícolas dispararam, apenas para caírem drasticamente em seguida.

A maior alavanca do crescimento do PIB na América Latina foi a expansão da força de trabalho, resultado do boom demográfico e do aumento da participação de mulheres. A força de trabalho aumentou 66 milhões de trabalhadores entre 2000 e 2016, e essa expansão representou 72% do crescimento geral do PIB da região. Mas o perfil demográfico está mudando: a taxa de fertilidade na América Latina caiu de 4,2 em 1980 para níveis de reposição em 2015. Isso significa que a região precisará contar com o aumento da produtividade – e não mais com a expansão da mão de obra – como o principal motor do crescimento do PIB. Isso alinharia a América Latina com outras economias emergentes, onde a expansão da mão de obra é um fator muito menor do crescimento do PIB – 37% menor em média em 56 países (sem incluir a China) – e consideravelmente menos importante do que o crescimento da produtividade.

A maior alavanca do crescimento do PIB na América Latina foi a expansão da força de trabalho, resultado do boom demográfico e do aumento da participação de mulheres.

A acentuada redução da pobreza é um sucesso notável, porém mais de 150 milhões de pessoas na América Latina continuam vulneráveis

Desde o ano 2000, 56 milhões de pessoas – ou mais de 40% dos pobres da América Latina em 2000 – cruzaram o limiar de pobreza absoluta de US$ 5 por dia, reduzindo a proporção geral de pessoas na pobreza de 27% para 13% do total. Essa tendência foi impulsionada tanto pelo aumento da renda decorrente do aumento dos preços das commodities como por políticas governamentais em prol dos pobres. Entre elas estão os programas de transferência condicionada de renda do México e do Brasil, que vinculam as transferências à manutenção de crianças na escola ou a consultas de saúde preventiva. O Bolsa Família, o programa brasileiro lançado em 2003, hoje beneficia 14 milhões de domicílios, cerca de um quarto da população, e ajudou a reduzir a proporção de pessoas vivendo em pobreza extrema de 10% para 4,3% ao longo de uma década. Contudo, o esforço para reduzir a pobreza arrefeceu na esteira da crise financeira global de 2008 e do fim do boom das commodities. Em 2018, as taxas de pobreza e de extrema pobreza tinham subido para níveis superiores aos de uma década antes.

Embora a pobreza tenha diminuído desde 2000, a lenta expansão dos empregos de maior produtividade e salários mais altos tem deixado muitos vulneráveis. Embora não sejam mais oficialmente pobres, essas pessoas ainda não atingiram padrões confortáveis de gasto da classe média – o que significa que continuam impossibilitados de adquirir bens e serviços além das necessidades básicas e que talvez não tenham acesso a crédito – e permanecem em alto risco de voltarem a cair na pobreza no caso de uma recessão, de um problema de saúde ou da perda de emprego. Mais de um terço da população da região vive com menos de US$ 11 por dia, com base na paridade do poder de compra, incluindo 152 milhões na categoria “vulnerável” de US$ 5 a US$ 11 por dia (mais de 60% no Brasil, Colômbia e México). Mais de 60% da população vive com menos de US$ 20 por dia (Quadro 1).

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Os 90% de domicílios latino-americanos mais pobres consomem apenas 64% do total, a menor proporção do mundo.

Consumidores que avançam para a classe média têm mais dinheiro e mais acesso a crédito, o que lhes permite gastar além das necessidades básicas –, e tendem a gastar uma parcela maior de sua renda do que as pessoas mais ricas. Todavia, é a desigualdade social que determina os padrões de consumo na América Latina. Os 90% mais pobres da distribuição de renda na América Latina – os pobres e vulneráveis da região e a maior parte da classe média – são responsáveis por apenas 64% do consumo interno. É a menor proporção do mundo, semelhante à da África Subsaariana, e substancialmente atrás das de outras regiões, onde os 90% mais pobres consomem cerca de 70% ou mais do total (Quadro 2).

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Seção 2

A ausência de empresas dinâmicas de médio porte reduz a concorrência e a inovação

O cenário de negócios na América Latina é polarizado. A região possui algumas empresas poderosas, incluindo algumas de altíssima produtividade, que expandiram com sucesso sua forte base local e se tornaram empresas globais ou “multilatinas” – verdadeiras potências regionais que atuam em toda a América Latina. Entre elas estão AB InBev, América Móvil, Arcor, Bimbo, CEMEX, Embraer, FEMSA e o Grupo Techint. Em comparação com grandes empresas de outras regiões, essas empresas existem em menor número e são menos diversificadas (quase todas são dos setores de energia, materiais e serviços de utilidade pública). Ao mesmo tempo, a América Latina tem uma cauda longa de pequenas empresas, muitas vezes informais, que coletivamente geram empregos em larga escala, mas cuja baixa produtividade e crescimento estagnado seguram o avanço da economia.

O que falta é um número substancial de empresas dinâmicas de médio porte que possam trazer dinamismo e pressão competitiva para aumentar o número de empregos produtivos e bem remunerados na América Latina, como fazem tais empresas em muitas regiões emergentes de alto desempenho. O Quadro 3 mostra como empresas de médio e grande porte (faturamento superior a US$ 50 milhões) são comparativamente muito menos prevalentes para o tamanho da economia latino-americana do que em outras regiões do mundo. Em comparação com dez economias emergentes que utilizamos como referência, Argentina, Brasil, Chile e México têm apenas cerca de metade do número dessas grandes empresas em relação ao PIB.

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As grandes empresas da América Latina tendem a enfrentar uma concorrência doméstica menos dinâmica do que as de outras regiões

A quase inexistência de empresas dinâmicas de médio porte reduz a pressão competitiva sobre as grandes empresas estabelecidas. Ao compararmos as empresas latino-americanas com as grandes empresas de dez países referenciais – China, Índia, Indonésia, Malásia, Filipinas, Polônia, Rússia, África do Sul, Tailândia e Turquia – encontramos vários indícios de que a dinâmica competitiva na América Latina é menos intensa, ainda que haja variações importantes de país para país. (Escolhemos esses países como referência com base na variação geográfica e níveis semelhantes de desenvolvimento, mas não afirmamos que sejam representativos em termos globais.)

A quase inexistência de empresas dinâmicas de médio porte reduz a pressão competitiva sobre as grandes empresas estabelecidas.

Em primeiro lugar, o número de empresas de capital aberto com receita superior a US$ 100 milhões desde o ano 2000 é proporcionalmente menor na América Latina do que em países asiáticos de alto desempenho. Enquanto 87% das empresas de capital aberto desse porte em nossos países de referência ultrapassaram o limiar de US$ 100 milhões desde 2000, a proporção é inferior a 60% no Brasil e no México. O setor corporativo da Colômbia, embora muito menor, tem se mostrado mais dinâmico: 81% das empresas têm ultrapassado esse limiar desde 2000.

Em segundo lugar está o grau de rotatividade das empresas no topo do ranking. Nas economias emergentes de melhor desempenho, as empresas do quintil superior, aquelas com faturamento superior a US$ 500 milhões, têm dificuldades para chegar ao topo e permanecer lá: menos da metade das empresas com maior lucro econômico – isto é, com retorno superior ao custo do capital – em um ciclo continuavam no topo no ciclo seguinte. Na América Latina, vemos uma distinção entre o México (onde dois terços das empresas do quintil superior de lucro econômico permaneceram nesse quintil ao longo dos últimos 15 anos) e o Brasil, onde apenas um terço manteve essa posição, indicando um mercado mais dinâmico. As demais economias da região tendem para a média de nossos países de referência.

Em terceiro lugar, essas dinâmicas estão correlacionadas com a concentração dos ganhos em alguns casos. Alguns estudos recentes mostram que as empresas latino-americanas conseguiram obter preços maiores e mais estáveis para seus produtos desde os anos 1980. Isso foi antes mesmo do surgimento do fenômeno das “superstars”, grandes empresas globais que capturam uma fatia cada vez maior dos lucros e se distanciam de seus pares. Também verificamos que, desde 2000, na maioria dos setores de nossos três países, as margens de lucro das empresas de médio e grande porte são mais altas do que nos países de referência. A variação no lucro econômico também é maior: o lucro econômico das empresas do quintil superior é maior – e o das empresas do quintil inferior é menor (mais negativo) –  do que nas economias de referência. O protecionismo comercial, legado de políticas anteriores de substituição das importações, também continua a contribuir para os altos preços ao consumidor em vários setores.

As causas dessa dinâmica e dessa distribuição das empresas estão enraizadas em legados similares de substituição das importações, os quais, em vários setores, favoreceram certas licenças privadas ou grandes empresas estatais. Outros motivos são os diferentes modos como as empresas estatais foram privatizadas e, especialmente no caso do Brasil, uma legislação tributária e uma fiscalização quase abusiva que favorecem grandes volumes ou a informalidade. Acesso desigual a financiamento, infraestrutura inadequada e custos elevados dos insumos também pressionam esse missing middle. O resultado é um baixo grau de inovação e de especialização, na contramão do que seria necessário para o crescimento futuro. Os índices de inovação do Brasil, Colômbia e México estão abaixo do seu nível de desenvolvimento; os três países têm entre um quarto e um terço da disseminação digital dos Estados Unidos, por exemplo. Investimentos em pesquisa e desenvolvimento na região são relativamente baixos: 0,3% e 0,5% do PIB na Colômbia e no México, respectivamente, embora chegue a 1,2% no Brasil. Em termos de comparação, essa cifra fica em torno de 1% nos países de referência.

Grande parte da força de trabalho da América Latina está presa em uma cauda longa de empresas pequenas, improdutivas e muitas vezes informais

O outro lado dessa economia dual é uma infinidade de pequenas empresas, muitas das quais operam fora da economia formal (como fazem algumas empresas de médio e até de grande porte). Essas pequenas empresas tendem a ter baixa produtividade e absorvem uma proporção significativa dos trabalhadores com baixa qualificação. Estão mais concentradas em setores como varejo, construção e agricultura. O Brasil obteve mais sucesso na redução do nível de informalidade da força de trabalho total: a taxa caiu para menos de 50% em 2015-16. México e Colômbia têm taxas muito mais altas, 57% e 62%, respectivamente, de acordo com pesquisas domiciliares em cada país.

No México, por exemplo, pequenos varejistas empregam dois terços da força de trabalho do setor, ou 6,6 milhões de trabalhadores, mas o valor agregado por trabalhador é apenas cerca de um sétimo do de varejistas grandes e mais eficientes.

O varejo mostra muito bem como a cauda longa de pequenas empresas arrasta para baixo a produtividade geral. No México, por exemplo, pequenos varejistas empregam dois terços da força de trabalho do setor, ou 6,6 milhões de trabalhadores, mas o valor agregado por trabalhador é apenas cerca de um sétimo do de varejistas grandes e mais eficientes.

Para aumentar nosso entendimento da cauda longa de pequenas empresas e sua resistência à mudança, realizamos uma pesquisa com 3.000 trabalhadores – informais, formais e autônomos – no Brasil, Colômbia e México. O estudo sugere que a maioria dos trabalhadores vê o trabalho autônomo como a principal opção emergencial quando não há emprego assalariado disponível: 70% dos entrevistados disseram que o trabalho autônomo temporário ou informal era uma opção viável em momentos de incerteza financeira. E essa incerteza é bastante grande, pois 28% de todos os trabalhadores acreditavam ser possível que perdessem o emprego nos 12 meses seguintes.

A pesquisa também destaca as limitações dos pequenos negócios. Cerca de 28% da amostra eram autônomos, dos quais cerca de metade eram negócios formais. Apenas um em quatro entrevistados indicou ter acesso ao crédito necessário para expandir seu negócio – mas dois em três disseram que gostariam de expandir se pudessem.

Seção 3

A ausência de consumidores de classe média restringe a demanda doméstica e os incentivos ao investimento

O outro missing middle é o baixo número de consumidores com condições de ascender socialmente, justamente aqueles cuja renda disponível crescente ajuda a alavancar de forma sustentável a demanda econômica e os investimentos. Como vimos, muitos dos que saem da pobreza continuam vulneráveis e não alcançam uma existência confortável de classe média. Para esse grupo numeroso, o principal caminho para uma prosperidade crescente e persistente tem de ser o acesso a empregos produtivos e bem remunerados – que têm sido escassos demais na região para atender às necessidades de uma força de trabalho em rápida expansão. Assim como, do lado da oferta, o missing middle de empresas de médio porte limitou a expansão de empregos atraentes com salários mais altos e oportunidades de desenvolver habilidades; do lado da demanda um outro missing middle contribuiu para que hoje existam relativamente poucos consumidores de classe média com renda suficiente para sustentar uma demanda doméstica robusta. A demanda fraca atua como um forte freio da economia. Limita o crescimento de mercados para as empresas domésticas, que respondem pela maior parte dos empregos em uma economia moderna. E também retrai o desenvolvimento e fornecimento de bens e serviços mais complexos – os quais, da sua parte, poderiam fortalecer a economia incentivando o investimento.

Os padrões de aumento do emprego, que determinam o contexto deste missing middle, diferem de país para país em nosso estudo. No Brasil, o boom das commodities elevou os salários e contribuiu para transferir trabalhadores da pequena agricultura para empregos de baixa qualificação em estabelecimentos de pequeno porte e com produtividade da mão de obra abaixo da média. No México, em contrapartida, o crescimento salarial tem sido excepcionalmente fraco, ou mesmo negativo, mesmo em setores em expansão e de alta produtividade como o automotivo.

O consumo cresceu com o aumento da população, as exportações não estão conseguindo compensar a defasagem da demanda e tanto os investimentos como a poupança são relativamente baixos

O consumo domiciliar constitui a maior parcela das gastos do PIB em qualquer economia (64% na América Latina), mas vem expandindo apenas lentamente, contribuindo com 1,9% do crescimento do PIB, comparado com 2,7% nos nossos mercados emergentes de referência. Além disso, comparado com os países de referência, o crescimento do consumo que ocorreu na América Latina decorreu principalmente da expansão da população, não do aumento do consumo per capita. Desde a virada do milênio, o crescimento do consumo per capita na América Latina foi de apenas 1,8%, menos da metade dos 4,3% nos países de referência. A taxa da Colômbia é alta para a região, com crescimento do consumo per capita de 2,8% desde 2000, e o Chile e o Peru são exceções, com 3,7% e 4,2%, respectivamente. No México, o inverso é verdadeiro: o peso do crescimento do consumo per capita foi menor do que a contribuição do crescimento populacional, o que é consistente com o baixo crescimento dos salários. Isso é importante porque os padrões de consumo mudam à medida que a renda aumenta, o que faz com que os mercados de bens e serviços mais complexos também cresçam, oferecendo novas oportunidades de crescimento para as empresas.

Além disso, o crescimento do consumo que ocorreu na América Latina decorreu principalmente da expansão da população, não do aumento do consumo per capita.

A dificuldade para obter crédito ao consumidor e os serviços digitais subdesenvolvidos nas áreas financeira e de varejo agravam a conjuntura dos vulneráveis. A inclusão financeira é limitada, sendo que menos de 50% das pessoas no México e na Colômbia têm acesso a conta bancária. Isso restringe a capacidade de as famílias pouparem ou tomarem emprestado a fim de extraírem o máximo de sua renda. Apenas 6% das vendas no Brasil em 2017 ocorreram online, por exemplo, quase a mesma proporção da Índia e Indonésia, mas substancialmente menos que na China (16%) e na Coréia do Sul (13%). Apesar disso, a disrupção digital já está se fazendo sentir. Na Colômbia, notadamente, uma startup chamada Rappi está oferecendo entrega sob demanda de artigos como mantimentos e medicamentos, e se tornou um dos primeiros “unicórnios” (startup com valuation de pelo menos US$ 1 bilhão) da América Latina. O mercado digital argentino MercadoLibre também vem ganhando terreno e se espalhando por toda a região.

As exportações poderiam ajudar a compensar a defasagem da demanda, fornecendo os incentivos e os mercados de que as empresas da América Latina precisam para investir e ampliar a produção. No entanto, com a notável exceção do México, as exportações desempenham papel menor do que nas outras economias emergentes que adotamos como referência; as exportações na região representam apenas 22% do PIB, comparado com 36% nos países de referência. O desempenho das exportações no México foi muito mais forte após a criação do NAFTA. Suas exportações de bens e serviços aumentaram de 25% do PIB em 2000 para 38% em 2017. No entanto, os benefícios desse crescimento nas exportações não chegaram a se espalhar pela economia doméstica de forma mais ampla.

As expectativas de demanda futura são o principal motivo para as empresas investirem na ampliação e no aprimoramento de sua capacidade de produção. Com acesso limitado aos mercados de exportação e uma demanda doméstica de lento crescimento, as taxas de investimento das economias da América Latina permanecem abaixo das de economias similares. Em 2016, os investimentos da América Latina e do Caribe chegaram a 19% do PIB, abaixo da média mundial de 24% e da taxa de investimento dos países emergentes do leste asiático, que atingiu 41%. Dos três países analisados em nosso estudo, apenas a Colômbia alcançou a média mundial, registrando um rápido aumento, de 13% para 24%, entre 1999 e 2015, antes de cair sensivelmente.

No setor automotivo mexicano, os ganhos na renda da mão de obra resultaram de novos trabalhadores com nível salarial 1,6 vez maior que a média nacional, mas o salário médio dos operários mexicanos da indústria automotiva diminui no mesmo período.

A renda não está fluindo para a ampliação do consumo interno por diferentes motivos: uma comparação entre Brasil e México.

O fluxo de renda para a expansão do consumo doméstico pode desacelerar por diferentes motivos. Brasil e México constituem dois exemplos. No Brasil, as políticas sociais, os aumentos do salário mínimo e a expansão do crédito durante o ciclo ascendente das commodities impulsionaram o mercado interno – mas isso não se manteve. A renda da mão de obra empregada representou 57% do crescimento da renda bruta, devido principalmente à expansão do trabalho de baixa qualificação no varejo e de outros serviços. Todavia, o boom de demanda não foi acompanhado por reformas do lado da oferta para aumentar a produtividade. Além disso, os altos preços ao consumidor e o crédito caro continuaram a afetar negativamente o poder de compra – mesmo daqueles com renda crescente. Os benefícios desapareceram por obra da inflação e da instabilidade macroeconômica após o fim do boom das commodities. O boom da demanda foi, portanto, insustentável porque não foi apoiado por iniciativas do lado da oferta ou por um ambiente macroeconômico propício ao investimento privado.

O México, por outro lado, concentrou-se em reformas do lado da oferta e no acesso a mercados externos, aumentando a produtividade dos grandes segmentos modernos de vários setores em até 5,6% nos anos 2000.

O México, por outro lado, concentrou-se em reformas do lado da oferta e no acesso a mercados externos, aumentando a produtividade dos grandes segmentos modernos de vários setores em até 5,6% nos anos 2000. Porém, a demanda interna não acompanhou esse ritmo. A produtividade na cauda longa de pequenas indústrias não melhorou e, ao contrário do Brasil, os ganhos não contribuíram para um amplo crescimento salarial; na verdade, eles se acumularam principalmente na parcela da renda constituída por lucros. Por exemplo, embora a produtividade industrial aumentasse 1,7% ao ano em média entre 2005 e 2015, os salários médios permaneceram estagnados. Visto que uma parcela maior da renda salarial é gasta (e não poupada), isso limitou o potencial multiplicador de os ganhos de produtividade serem traduzidos em uma fonte mais constante e confiável de expansão da demanda doméstica. O crescimento do mercado interno foi, portanto, restringido, tolhendo os incentivos ao investimento. E a esfera intermediária saiu perdendo em meio a essas mudanças.

O setor automotivo mexicano nos dá um exemplo notável da divergência entre aumento da produtividade e salários. A produção cresceu a uma taxa média anual de 7% desde 2006 e, depois de dobrar em uma década, a produtividade da mão de obra é hoje equiparável às dos melhores produtores do mundo. Os ganhos na renda da mão de obra vieram de novos trabalhadores com nível salarial 1,6 vez maior que a média nacional, mas o salário médio dos operários mexicanos da indústria automotiva diminui no mesmo período. Em comparação, a Coreia do Sul, no mesmo ponto de desenvolvimento da indústria automotiva, viu um aumento de 58% nos salários do setor ao longo dos dez anos correspondentes de crescimento da produtividade.

Na Colômbia, os padrões de crescimento desde a virada do século foram mais inclusivos. O crescimento dos salários superou 2% ao ano em média, excedendo o crescimento da produtividade e refletindo os ganhos de produtividade em vários setores. Cerca de 6 milhões de trabalhadores ingressaram na força de trabalho entre 2000 e 2015, com ganhos desproporcionais para as mulheres. Entretanto, essa rápida expansão diminuiu o crescimento dos salários quando comparado ao de países similares. Por exemplo, a taxa de crescimento da Tailândia foi aproximadamente a mesma nesse período, mas os salários cresceram 3,7%, quase o dobro que na Colômbia, graças a ganhos substanciais de produtividade.

Seção 4

Fortalecendo os missing middles para capturar a próxima onda de crescimento.

Se as economias latino-americanas conseguirem fortalecer os missing middles de sua economia, criando assim um ciclo virtuoso de crescimento inclusivo, as possíveis recompensas poderão ser substanciais. Utilizando uma simulação macroeconômica que pressupõe que um crescimento moderado da produtividade será acompanhado por uma participação maior dos trabalhadores na renda e no consumo nacionais similar à de países mais inclusivos, verificamos que até 2030 tal ciclo de crescimento seria capaz de elevar o PIB da região 50% acima do cenário de linha de base em que as tendências atuais se mantêm (inclusive a baixa expansão da força de trabalho). Isso significaria um aumento per capita de mais de US$ 1.000 por ano, ou um aumento incremental de US$ 1 trilhão do PIB em 2030. Conquistar esse prêmio implica grandes desafios. Governos e líderes empresariais precisarão adotar uma agenda política focada no crescimento e que corrija os elos perdidos das reformas passadas.

Mesmo em um momento de tensões sociais e políticas, a América Latina tem uma nova oportunidade para revitalizar o crescimento inclusivo – e dispõe de novas ferramentas para alcançá-lo: as tecnologias digitais, que, se adotadas em grande escala, são capazes de acelerar o crescimento da produtividade e de desenvolver os missing middles da economia. O empreendedorismo digital já está em ascensão, com novas plataformas e aplicativos de comércio eletrônico e financiamento digital, por exemplo, pipocando em toda a região; várias startups digitais já alcançaram valuation de US$ 1 bilhão ou mais.

Astecnologias digitais podem ajudar diretamente a resolver alguns dos desafios da América Latina decorrentes dos missing middles, isto é, do subdimensionamento das esferas intermediárias da economia. Embora não seja uma solução mágica nem uma panaceia, essas tecnologias podem tornar mais fácil para empresas abrirem novos negócios, registrar imóveis e declarar impostos pela internet, reduzindo o custo da burocracia. As tecnologias digitais também podem permitir mercados mais eficientes – na agricultura, em termos de empregos e nos serviços locais. Plataformas digitais possibilitam que pequenas e médias empresas se tornem “micromultinacionais” capazes de competir com concorrentes muito maiores ao oferecerem seus produtos e serviços em mercados online de alcance regional ou global. Ainda mais crucial, o digital pode criar e já está criando novos empregos mais produtivos na América Latina – e o possível aumento da produtividade que é capaz de trazer para as economias da região como um todo poderá anular o impacto negativo do novo perfil demográfico da população. Ao mesmo tempo, porém, essas tecnologias apresentam riscos em potencial para o crescimento inclusivo, seja em termos do deslocamento dos empregos ou da maior concentração dos lucros.

Três prioridades serão necessárias para estabelecer as bases de uma agenda inclusiva e pró-crescimento na América Latina, tornando-a mais apta a se beneficiar da disrupção digital.

A primeira é a criação de um ambiente de negócios competitivo no qual o digital possa prosperar, a inovação seja recompensada e haja oportunidades para todos, especialmente para as empresas espremidas da esfera intermediária. Isso implica utilizar ferramentas digitais, sempre que disponíveis, para reduzir a burocracia, melhorar o acesso a financiamento e reduzir as barreiras à entrada no mercado e ao crescimento que refreiam o dinamismo e os incentivos para melhorar o desempenho. A segunda é o redesenho da regulamentação a fim de criar mercados de trabalho e de consumo que disseminem os ganhos de produtividade para a classe média e as classes vulneráveis. Para que a América Latina consiga aumentar a prosperidade de todos, os ganhos de produtividade terão de fluir de maneira a aumentar a renda dos trabalhadores que melhorarem seu nível de qualificação e também de maneira a permitir que empresas bem posicionadas reinvistam em seus funcionários, em tecnologia e na comunidade. A terceira prioridade é que o próprio governo alavanque as plataformas digitais para aumentar a eficiência do setor público e melhorar a entrega e o custo dos serviços públicos. As instituições precisarão se adaptar e mudar o foco: em vez de protegerem e regularem o status quo, deverão incentivar novos investimentos e experimentar novas soluções de entrega.

As instituições precisarão se adaptar e mudar o foco: em vez de protegerem e regularem o status quo, deverão incentivar novos investimentos e experimentar novas soluções de entrega.

Essas mudanças tornarão a América Latina mais apta a aproveitar as tecnologias digitais, que poderão se tornar uma fonte poderosa de produtividade e crescimento. Muitos países da América Latina já começaram a percorrer esse caminho; se essa energia puder ser mantida e expandida, a região estará madura para uma Primavera Digital. Embora as mudanças possam ser lideradas por empresas e tecnologias digitais, elas também se estenderão para as partes não digitais da economia. A disrupção provocada pelo digital e na economia em geral constitui uma oportunidade para um novo modelo de crescimento inclusivo, no qual os governos promovem novas fontes de produtividade para empresas e trabalhadores, e elaboram políticas para que os benefícios sejam compartilhados por todos os cidadãos.

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