Resiliência do supply chain: será que existe um Santo Graal?

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No primeiro podcast da Prática de Operações da McKinsey, Sebastian Peters, vice-presidente sênior e diretor de logística, planejamento e fluxo de valor digital da Airbus, fala com Daphne Luchtenberg e Knut Alicke, da McKinsey, sobre o que realmente significa ter um supply chain resiliente e avesso aos riscos. Segue uma transcrição editada da conversa. Assine a série no Apple Podcasts, Google Podcasts, Spotify, Stitcher ou onde quer que você acesse seus podcasts.

Daphne Luchtenberg: Estamos aqui hoje para examinar como a pandemia de COVID-19 reescreveu o manual de estratégia dos negócios e da vida. Ela afetou tudo, desde nossa maneira de realizar as atividades do dia a dia até nosso modo de trabalho e a operação das empresas. A expressão supply chain tornou-se um conceito muito comum hoje em dia, considerando-se que, cinco anos atrás, o consumidor médio não se importava com isso.

Hoje, é assunto tanto em salas de diretoria quanto em conversas à mesa de jantar. Vamos nos deter sobre o que atraiu toda essa atenção. Estou acompanhada hoje por Knut Alicke, da McKinsey, e Sebastian Peters, da Airbus, para falar sobre o futuro da gestão do supply chain e as oportunidades disponíveis. Knut, conte-nos um pouco sobre si mesmo e sua função na McKinsey.

Knut Alicke: Muito obrigado, Daphne, por me receber. Sou um verdadeiro entusiasta do supply chain e passei os últimos 25 anos trabalhando nessa área. No ano passado, passei a ser um dos líderes do nosso trabalho sobre risco e resiliência do supply chain e, durante a crise da COVID-19, ajudei muitos clientes a controlar a disrupção.

Daphne Luchtenberg: Pode comentar por que os supply chains ganharam tanto destaque este ano? O que está atraindo toda essa atenção?

Knut Alicke: Se olharmos para trás, essa era uma área percebida apenas quando algo dava errado. Por exemplo, se você tinha um problema de disponibilidade de produtos, logo recebia a ligação de um cliente, perguntando: “Cadê as minhas coisas?” Aí, ele olhava para o supply chain e perguntava: “Por que você não entregou no prazo?” Agora, com a pandemia e outras disrupções do supply chain, muitas coisas deram errado, e as empresas tiveram de gerir essa disrupção enorme.

Se você pensar no que aconteceu no último ano e meio, tivemos um ótimo fornecimento de alimentos e outras mercadorias, certo? Portanto, o supply chain funcionou, mas, para muitas empresas, isso significou dificuldades na logística de entrada, em seus próprios locais e na distribuição. Elas precisaram intensificar os esforços e assegurar que o supply chain estivesse fluindo para que pudéssemos entregar aos nossos clientes e, como você disse antes, essa conversa chegou à sala da diretoria. Por exemplo, ajudamos alguns clientes a implementar a gestão da continuidade dos negócios, e um CEO, que nunca tinha falado de supply chain anteriormente, chegou até a tocar no assunto em suas duas últimas apresentações para investidores.

A atenção mudou: não se trata apenas de uma área que é valiosa quando algo dá errado; pode realmente nos ajudar a melhorar. Esse cliente que mencionei aumentou sua participação no mercado porque se saiu muito melhor do que a concorrência e conseguiu até vender mais. E, em uma situação de pandemia, esse foi um resultado surpreendente.

Daphne Luchtenberg: Parece mesmo que estamos tendo esta conversa sobre a resiliência do supply chain, e você não pode conversar sobre isso sem falar dos riscos do supply chain. Eu gostaria de examinar o que essas duas palavras, risco e resiliência, realmente significam na prática. E, Sebastian, tenho certeza de que você já vivenciou seu quinhão de disrupções do supply chain na Airbus, mesmo antes da pandemia de COVID-19. A pandemia mudou a visão que a sua organização tem dos riscos e da resiliência do supply chain?

Sebastian Peters: Nosso setor foi um dos mais afetados, sofrendo diretamente com a queda do tráfego aéreo, e então a grande questão passou a ser: qual é o nível certo de redução da produção e das entregas? No nosso caso, isso é algo bem complexo, porque você precisa mesmo simular e espalhar. Como lidar com isso? Você precisa fazer previsões e ter reações rápidas não só com relação à sua rede interna de fábricas, da qual você precisa para produzir uma aeronave, mas também com relação ao ecossistema formado pelos seus fornecedores.

Obviamente, essa capacidade não era nova para nós. E um dos motivos de termos iniciado uma transformação maior no fornecimento antes da crise é que já estávamos prevendo que precisaríamos dessa capacidade.

Quase 80% dos [executivos de supply chain entrevistados] disseram que precisam melhorar e investir em planejamento digital para aumentar a visibilidade do supply chain.

Knut Alicke

Mas a questão referente ao nosso supply chain continua semelhante: como simular, como prever e como tomar a decisão certa – não apenas de uma perspectiva puramente das operações e do supply chain, mas também levando em consideração as reservas financeiras da empresa. O estoque, sobretudo no nosso ramo, desempenha um papel decisivo, e é aí que você precisa ter cuidado para não ter um excesso de estoque na sua empresa.

Daphne Luchtenberg: Knut, você vem falando com muitos líderes de organizações, que estavam tentando lidar com isso. O que você tem visto em outros setores e outras organizações que estão tentando traçar seu curso em meio a esses riscos?

Knut Alicke: Fizemos uma pesquisa com executivos de supply chain para saber o que eles fizeram durante o último ano e meio e o que querem fazer daqui para frente. Um tópico que o Sebastian acabou de mencionar foi um dos principais da pauta. Eles querem ter transparência e poder decidir rapidamente – e decidir fazer a coisa certa. De que precisamos para isso? Precisamos investir em planejamento digital. Quase 80% dos participantes disseram que precisam melhorar e investir em planejamento digital para aumentar a visibilidade do supply chain a fim de assegurar que tenham a capacidade de planejar e decidir.

Também disseram que precisam ser mais ágeis e planejar com mais frequência. Isso significa abandonar os ciclos de planejamento mensais ou trimestrais e passar a ciclos quinzenais ou mesmo semanais. O que também ouvimos é que eles precisam aumentar a resiliência em termos de presença. Como se cria resiliência a partir disso? É necessário aumentar o estoque de peças críticas, mas também de todo o resto. Porque, como disse o Sebastian, as coisas podem morrer no estoque, e isso não é bom para o seu fluxo de caixa. Assim, você precisa aumentar o estoque de itens críticos e precisa ter certeza de que está menos dependente de fornecedores críticos; portanto, o sourcing de diversas fontes e o sourcing duplo são muito importantes. Para isso, você precisa investir em talentos digitais para poder fazer o planejamento, entender todos os algoritmos e, com isso, chegar a uma decisão rápida.

E o Santo Graal da gestão de riscos do supply chain é a transparência em múltiplos níveis. O que isso significa? Basicamente, significa que muitas empresas têm visibilidade de seus fornecedores de primeiro nível – seus fornecedores diretos – porque têm um contrato com eles. Frequentemente, o problema não está no primeiro nível, mas no primeiro, no quarto e no quinto níveis. E o que todo mundo está analisando agora é como criar essa visibilidade quando algo está dando errado e ter um sistema de alerta antecipado para poder fazer algo a respeito. Do ponto de vista tecnológico, é possível resolver isso atualmente. Você também precisa criar confiança entre os parceiros e no ecossistema do supply chain – isso ainda é algo a ser trabalhado.

Daphne Luchtenberg: Há anos, vemos muitas manchetes sobre a revolução digital. As pessoas estão sempre prevendo que a adoção da Indústria 4.0 acelerará tudo isso. Sebastian, tenho muito interesse em ouvir o que está acontecendo de fato. Como vocês estão tirando proveito de algumas dessas tecnologias avançadas na Airbus?

Sebastian Peters: Acho que hoje em dia também é um pouco perigoso usar esse tipo de chavão porque, como o Knut disse, o problema não é tanto que a tecnologia não esteja disponível; as perguntas são sempre: o que você gostaria de fazer melhor e como pode conceber a melhor maneira de agir? É por isso que eu, pessoalmente, acredito que você precisa investir na clareza dos seus processos.

Podemos falar dos gêmeos digitais para exemplificar. Do que se trata? Trata-se de um modelo, por exemplo, do seu sistema industrial, seus estoques, suas restrições industriais, seus ativos. Acreditamos que é nessa simulação que podemos ter uma capacidade muito interessante, porque você pode ter uma proximidade ao planejamento e, especialmente em eventos disruptivos, pode ajudar a responder à verdadeira questão: e se?

O problema não é tanto que a tecnologia não esteja disponível; as perguntas são sempre: o que você gostaria de fazer melhor e como pode conceber a melhor maneira de agir?

Sebastian Peters

E se o consumo voltar a crescer em breve? Qual será a nossa reação? Que tipo de possibilidades temos internamente? É necessário observar também a reação dos nossos fornecedores. É aí que precisamos de decisões rápidas e das capacidades para passar de uma ideia de simulação – ou de diferentes versões de simulações – ao planejamento e depois à execução. A perspectiva dos gêmeos digitais está nos ajudando muito e nos permitindo trabalhar melhor.

Daphne Luchtenberg: Tenho certeza de que isso também significa que você está pedindo coisas diferentes às suas equipes em termos das habilidades e capacidades que elas têm. Essas habilidades todas podem ser aprendidas, Sebastian? Ou o aspecto das suas equipes também vai mudar? O que você prevê que vai acontecer?

Sebastian Peters: Obviamente, está havendo uma mudança em termos das novas habilidades necessárias. Antes, a habilidade em termos do supply chain era ligar os pontos na empresa para entender a perspectiva das vendas e a perspectiva da produção porque, no centro de qualquer tipo de supply chain, está o planejamento de vendas e operações, ou S&OP.

Mas é claro que, hoje em dia, com a grande quantidade de necessidades digitais, você precisa entender de programação. Se você quer saber qual é a ferramenta certa e traduzi-la pela perspectiva dos processos necessários, a programação de software é uma habilidade necessária.

Knut Alicke: Isso é o que vemos em termos do futuro do trabalho no supply chain. Temos o planejador da demanda. Agora, futuramente, é provável termos alguém que conheça a empresa muito bem e que, ao mesmo tempo, seja um cientista de dados capaz de criar um algoritmo. Mas esse cientista de dados também precisa ter algum tipo de habilidade de tradutor para entender a empresa. Se você pensar em um gerente de pedidos, por exemplo, agora temos alguém que está arquitetando a parte que envolve a automação de processos robóticos. Isso significa que há novas funções e muitas novas habilidades necessárias para definir o futuro dos planejadores do supply chain e o futuro da organização de supply chain.

Sebastian Peters: E eu também ainda acredito que o reforço dessas habilidades para uma organização de supply chain bem-sucedida é realmente uma espécie de embaixador na tradução entre os dois mundos – engenharia de vendas de um lado e o mundo da produção e das operações do outro. No fim das contas, o supply chain tem a ver com o melhor plano para a empresa, e não para uma área específica dentro da empresa.

Daphne Luchtenberg: Essa é uma perspectiva ótima, Sebastian, e parece uma função muito interessante. Além disso, para pessoas novas que estão entrando no setor, o supply chain está ficando ainda mais interessante do que já foi. Vamos olhar para o futuro. Sebastian, como a Airbus vai prever os altos e baixos da demanda daqui para frente? Você sente que está mais bem posicionado agora para reagir a isso?

Sebastian Peters: Estamos confiantes de que já ampliamos nossas habilidades de planejamento. Isso nos ajudou muito durante a crise do ano passado. O ponto de partida para nós foi uma estratégia nova e completa dentro das operações. Em 2019, implementamos o que chamamos de estratégia de fluxo de valor dentro da organização de fluxo de valor para garantir que tenhamos essa visão de ponta a ponta das nossas operações, além da necessidade de tentarmos pensar mais em direção às habilidades de um fabricante sério. Isso significa não investir tanto na perspectiva dos workshops, mas pensar também nos princípios do fluxo, produção do fluxo.

E, novamente, para que haja um sucesso real, acredito muito que essa perspectiva de processo é ter claro, internamente, o que é o novo processo, o que ele traz e qual é o valor agregado. Em seguida, vem a implementação de TI. E leva tempo para que seja realmente sustentável. E esta é a nossa estratégia: avançar com mudanças sustentáveis.

Daphne Luchtenberg: Parece que vocês passaram por uma grande transformação e agora estão vendo os benefícios surgirem, Sebastian.

Sebastian Peters: Você viu isso no ano passado, e a questão era: com que rapidez podemos adaptar nossas taxas de produção? Como podemos criar rapidamente a transparência necessária para tomarmos a decisão certa e também para não prejudicarmos o crescimento? Agora, estamos todos surpresos positivamente com o fato de que o tráfego aéreo está voltando muito mais rapidamente do que alguns de nós imaginávamos. E a abordagem do fluxo de valor, com uma perspectiva de ponta a ponta e uma visão clara do que é necessário para prever o crescimento e, em seguida, mitigar, está nos ajudando muito.

Quando falamos antes sobre a resiliência do supply chain, isso também está em jogo no crescimento. Então, como garantir aumentos de produção de forma proativa, não apenas internamente, mas sobretudo no nosso enorme ecossistema, com milhares de fornecedores de primeiro nível que precisam dessa visibilidade para saber para o que devem se preparar? Também é importante ver onde temos problemas e onde temos restrições para estarmos cientes deles agora, e não quando já estivermos crescendo.

Daphne Luchtenberg: Knut, a Airbus passou por uma enorme transformação, e a prática de supply chain amadureceu bastante, também por necessidade, já que tivemos que passar pela pandemia. Você acha que estamos em posição de afirmar, em termos amplos, que as organizações agora têm as ferramentas necessárias para serem mais resilientes em seu supply chain? E estamos suficientemente resilientes?

Knut Alicke: Estamos melhores. Ainda não chegamos lá. Aumentamos a resiliência e começamos a implementar a espinha dorsal, os processos e as habilidades, então vemos muitos nossos clientes melhorando e, com isso, ficando mais resilientes. Haverá alguma disrupção logo à frente, e a história ainda não acabou.

Daphne Luchtenberg: Quais você acha que serão alguns dos gargalos daqui para frente?

Knut Alicke: Vemos muitos gargalos atualmente, e levará algum tempo para resolvê-los. Vemos que algumas commodities estão em falta, os semicondutores estão em falta, até os próprios contêineres estão em falta, e as embarcações não têm capacidade suficiente. Basicamente, está tudo escasso, e vai demorar alguns meses para sairmos disso. Então, espero que não voltemos ao supply chain supereficiente e just in time, mas a um supply chain mais resiliente. Provavelmente haverá outro desastre natural, que é o que o aquecimento global está nos indicando, e com isso poderemos ter uma onda de calor ou inundações. A próxima disrupção está logo à frente.

Daphne Luchtenberg: Ainda há mais desafios que precisaremos enfrentar à medida que avançamos. Obrigado, Sebastian, obrigado, Knut, por reservarem um tempo para conversar conosco hoje e lançar mais luz sobre as maneiras de criar uma mudança operacional que persista.

Para os nossos ouvintes, este é um programa da série de podcasts que visa separar a retórica da realidade quando se trata de alcançar a excelência operacional. Convidamos vocês a se juntarem a nós em algumas outras discussões curtas e incisivas com especialistas da McKinsey e líderes de setores para expandirmos a arte do possível e as maneiras de criar mudanças reais hoje. Obrigado por ouvirem; estaremos de volta em breve.

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