Como as empresas criam valor a partir de ecossistemas digitais?

As fronteiras entre os setores estão ficando indefinidas, e as cadeias de valor vêm se consolidando em ecossistemas

Embora o desenvolvimento de ecossistemas seja um assunto que tem estado em alta no mundo dos negócios nos últimos anos, a crise da COVID-19 reforçou a importância das interações digitais e provavelmente acelerará ainda mais a adoção de modelos de negócios com ecossistemas digitais. Nossas pesquisas mundiais com consumidores indicam que a alta das vendas online continuará até certo ponto, mesmo depois que a crise passar, e que 71% dos consumidores estão prontos para ofertas integradas do tipo ecossistema1. As interações business-to-business também estão mudando. Por exemplo, em abril de 2020, nos Estados Unidos, 80% das equipes de vendas business-to-business migraram para o trabalho remoto, e as empresas classificaram as interações viabilizadas digitalmente com clientes business-to-business como duas vezes mais importantes do que os métodos tradicionais, um aumento de 30% em relação ao início da crise.

A maioria das empresas internacionais já está cogitando ativamente o modelo de negócios de ecossistema devido a seu potencial de geração de valor: crescimento do negócio principal, expansão da rede e do portfólio e geração de receitas a partir de novos produtos e serviços. A economia das redes integradas pode representar um pool de receitas mundial de $ 60 trilhões em 2025, com possível aumento da participação total na economia dos cerca de 1% a 2% de hoje para aproximadamente 30% em 20252.

Como as empresas podem definir uma estratégia de ecossistema que atenda às suas necessidades?

As empresas líderes estão oferecendo, cada vez mais, um conjunto interconectado de serviços – desde a oferta, pelo Alibaba, de um amplo ecossistema de serviços de estilo de vida (inclusive varejo, pagamentos, pontuação de crédito)3, até o lançamento, pela Apple, de um AppleCard com o Goldman Sachs (expandindo o ApplePay) e a criação, pela BMW/Daimler, de um ecossistema de mobilidade compartilhada em conjunto com uma série de startups (Car2Go, moovel, Mytaxi) sob a marca Your Now4.

No entanto, ainda vemos que muitas empresas que tentaram reproduzir o sucesso de gigantes da tecnologia como Google e Amazon em ecossistemas vêm tendo dificuldades. Como os ecossistemas são complexos, definir a abordagem certa para capturar o máximo valor deles é um desafio. Recomendamos que as empresas determinem sua estratégia de ecossistema avaliando as características e tendências do mercado, bem como sua “adequação” a ecossistemas específicos. As empresas também devem avaliar seu programa de criação de valor – para expandir o negócio principal, criar novos produtos e serviços, desenvolver uma solução ponta a ponta para um novo segmento ou aumentar a eficiência operacional5

Como as empresas podem capturar o valor das estratégias de ecossistema?

As empresas podem utilizar cinco alavancas de valor principais, em linha com seu programa de criação de valor, sendo que vemos surgir três arquétipos (Quadro 1).

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Arquétipo 1: Crescimento do negócio principal por meio de parcerias ou desenvolvimento de um ecossistema a partir do zero

As empresas desse arquétipo extraem valor a partir da obtenção de uma receita maior de produtos e serviços principais e do uso da plataforma financiado pelos estabelecimentos. A princípio, o ecossistema permite que a empresa venda mais produtos existentes a mais clientes. Uma vez que o ecossistema esteja estabelecido e alcance a escala desejada, a empresa poderá fornecer ofertas de serviços mais abrangentes. Também poderá usar sua plataforma para atrair estabelecimentos, dos quais pode cobrar pelo uso, criando mais valor.

Em março de 2013, o Danske Bank lançou seu aplicativo MobilePay como uma solução de pagamento P2P para conquistar mais clientes. O aplicativo é gratuito para todos os consumidores, não apenas aos clientes do banco, e cobra tarifas dos estabelecimentos apenas pelas transações. Hoje, a D&B Hoovers estima a receita da MobilePay A/S em $ 23,1 milhões, 80% dos quais vêm de tarifas de transação (receita maior de serviços principais), e o restante, de tarifas mensais que os estabelecimentos pagam por serviços de valor agregado (uso da plataforma financiado pelos estabelecimentos).

Arquétipo 2: Expansão da rede e do portfólio na plataforma, gerando receitas com novos produtos

As empresas desse arquétipo obtêm valor extraindo um valor maior da vida útil do cliente. As empresas podem capturar valor de muitas fontes, como novos produtos e serviços financiados pelos clientes, uso da plataforma financiado pelos estabelecimentos e monetização de dados financiada por terceiros.

A Telefonica, uma empresa de telecomunicações europeia, tem aproveitado ativamente os dados e insights de seus clientes para desenvolver novos serviços de IoT (Internet das Coisas), de conteúdo digital e de saúde. Em julho de 2019, por exemplo, a empresa estabeleceu uma parceria com a Tunstall Healthcare, uma fornecedora internacional de serviços e soluções de saúde digital e atendimento conectado, para desenvolver serviços de gestão remota de pacientes6.

A Tencent vem buscando, com sucesso, múltiplas fontes de valor. Seus dois produtos de rede social, QQ e WeChat, geram receita a partir de tarifas dos estabelecimentos referentes a e-commerce, pagamento, conteúdo digital e serviços de publicidade, bem como de clientes que pagam por serviços de valor agregado. Os novos produtos e serviços para o consumidor já constituem mais de 50% da receita total da Tencent. A contribuição da monetização de dados financiada por terceiros para sua receita total já é de 20%, enquanto o uso da plataforma financiado pelos estabelecimentos representa 25%.

Arquétipo 3: Desenvolvimento de uma solução de ponta a ponta para atender clientes empresariais e melhorar a eficiência operacional

As empresas que otimizam sua infraestrutura e tecnologia existentes – e depois as oferecem a outras empresas – criam novos fluxos de receita e reduzem seus custos operacionais por meio de economias de escala.

A AWS da Amazon criou valor para a empresa ao oferecer seus recursos internos a terceiros e reduzir seus custos de investimento e manutenção de TI. Uma postagem recente no blog da AWS Partner Network observou que a AWS reduziu os preços cobrados dos clientes, inclusive a Amazon, 67 vezes de 2006 até o fim de setembro de 2018. A AWS tornou-se a maior fonte de lucro operacional da Amazon, respondendo por cerca de $ 7,3 bilhões em lucro operacional, ou 73% do total da Amazon em 20187.

De quais capacidades principais as empresas precisam para criar valor em um ecossistema?

Observamos seis capacidades principais entre os players de ecossistema bem-sucedidos (Quadro 2).

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1. Advanced analytics

As capacidades de analytics são uma vantagem competitiva, independentemente da função que uma empresa desempenha em um ecossistema. Qualquer empresa que não possua recursos de advanced analytics enfrentará dificuldade para permanecer relevante. A excelência em advanced analytics também requer capacidades de tecnologia / dados abertas e modulares.

Uma grande empresa asiática de telecomunicações tirou proveito de advanced analytics para desenvolver um negócio de monetização de nível internacional8. Em apenas três anos, ela desenvolveu um ecossistema que integra uma gama de plataformas e soluções digitais para atender às necessidades dos seguintes players:

  • consumidores, com plataformas digitais que oferecem músicas, séries, filmes e conteúdo de estilo de vida;
  • estabelecimentos, com pagamento móvel, gestão digital do relacionamento com o cliente, soluções digitais de programa de fidelidade e uma plataforma online-to-offline na qual conquistou mais de 300 mil estabelecimentos;
  • empresas, laproveitando os dados dos clientes e recursos internos de advanced analytics para fornecer analytics como serviço a empresas da maioria dos setores;
  • talentos, vendendo soluções como uma academia digital para capacitar talentos na era digital.

2. Desenvolvimento e operações ágeis

Utilizar os princípios do desenvolvimento ágil e criar modelos de operação e entrega escalonáveis e focados no cliente permite atender às expectativas de serviços mais eficientes por parte dos clientes.

Por exemplo, em 2015, o grupo bancário holandês ING começou a mudar sua estrutura organizacional tradicional para se tornar mais ágil, encurtando o tempo de colocação no mercado em 37%, reduzindo os custos de desenvolvimento de aplicativos em 60% e diminuindo o tempo de integração de novos clientes de 20 dias e três visitas à agência para um único processo de cinco minutos.

3. Governança que permite um portfólio de apostas

As organizações ágeis implantam mecanismos de governança que reforçam a inovação e promovem uma mentalidade de foco no cliente. Alguns exemplos incluem a divisão de capital de risco da Singtel, a incubadora interna do Google e a “competição interna” da Tencent.

A competição interna da Tencent é um bom exemplo de desenvolvimento de um modelo biológico de governança. Esse modelo imita a teoria evolutiva da sobrevivência do mais apto, ao permitir que diferentes soluções compitam. Dois dos produtos de maior destaque do ecossistema da Tencent – o serviço de rede social WeChat e o game móvel Glory of the King – foram desenvolvidos por meio desse mecanismo.

4. Uma plataforma intermediária robusta que organiza as capacidades principais e maximiza as sinergias

Adotada pela primeira vez por empresas de internet como o Alibaba, uma plataforma intermediária mais ampla em que diferentes empresas compartilham informações de clientes é uma maneira de as empresas aproveitarem sua capacidade em big data. Graças à sua plataforma de compartilhamento de dados entre empresas, o Alibaba aproveita os dados de clientes do aplicativo da Hema Supermarkets, a loja de varejo offline do Alibaba, para aumentar em 20% a 30% a precisão das informações de comportamento de compra dos clientes.

5. Talentos empreendedores

O sucesso de qualquer ecossistema depende da qualidade de seus talentos, sobretudo para empresas tradicionais que estejam entrando em um ambiente de mercado muito diferente. Para conseguir os talentos de que precisam, as empresas devem se esforçar para contratar os tipos certos de pessoas, reter aquelas com potencial para se tornarem futuros líderes e desenvolver uma cultura de empreendedorismo.

O Tinkoff Bank focou nos talentos para alavancar sua transformação empresarial. O banco se uniu à Talent and Success Foundation para estabelecer um novo centro de desenvolvimento em Sochi e também anunciou o lançamento de um centro de P&D em Skolkovo, o qual se concentrará em soluções baseadas em blockchain e pesquisas em criptoeconomia para reforçar seu ecossistema financeiro. O Tinkoff desenvolveu um espírito de startup, com uma cultura aberta e igualitária na qual todos são incentivados a se manifestar9.

6. Parceria

A colaboração é crucial para o sucesso dentro de um ecossistema. A LEGO vem aproveitando amplamente as parcerias para expandir sua marca e mantê-la relevante para públicos em evolução. Em 2009, ela firmou parceria com a Disney para produzir brinquedos e videogames e, recentemente, com a Nintendo para lançar o LEGO Super Mario, com um personagem interativo do Mario em formato de LEGO. A empresa também tem parcerias de longa data com outras marcas conhecidas, como Batman, Harry Potter e Ninjago. Em abril de 2020, o LEGO Group anunciou mais uma colaboração: uma parceria mundial exclusiva com o Universal Music Group para lançar um novo conjunto de produtos LEGO baseados em músicas em 202110.

Reunindo todas essas capacidades, as empresas devem estar prontas para o desafio e a oportunidade da revolução dos ecossistemas.

O sucesso das primeiras jogadas em ecossistemas provou que as estratégias de ecossistema são capazes de gerar valor real, motivando novas startups e empresas estabelecidas a segui-las. Embora alguns anos atrás os ecossistemas fossem considerados pertinentes para apenas alguns setores e regiões, nos últimos dois anos vimos players dominantes em ecossistemas, startups e empresas estabelecidas acelerarem suas atividades em todo o mundo. É provável que essa tendência se intensifique na esteira da crise da COVID-19, já que as interações digitais são uma mudança importante e radical nas atividades business-to-business e business-to-customer: os consumidores estão buscando mais jornadas de ponta a ponta em produtos e serviços, e as organizações estão procurando reinventar rapidamente sua proposta de valor para o “novo normal”. No entanto, ir atrás dessa oportunidade exige que se tenha foco estratégico e se escolha a abordagem que melhor se adapta à organização, a fim de liberar todo o potencial de uma estratégia de ecossistema.

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