Este artigo é um trabalho conjunto dos líderes globais da Prática de Customer Experience da McKinsey, um grupo presente em diferentes regiões e que conta com: Constance Emmanuelli, Nimish Jain, Nicolas Maechler, David Malfara, Stefan Moritz, Kevin Neher, Adrian Nelson e Anna Thomas.
O impacto da COVID-19 sobre o comportamento do cliente tem se mostrado profundo e imediato. Os gastos na maior parte das indústrias estão em queda, as compras físicas deram lugar aos canais digitais e a segurança ganhou status de alta prioridade para empresas e consumidores. Executivos que elaboravam estratégias omnichannel com muito cuidado para criar experiências únicas e atrativas tiveram que abandonar seus manuais e improvisar para acompanhar o ritmo de mudança no comportamento dos consumidores.
À medida que as empresas se preparam para o longo prazo—o que chamamos de “novo normal”—, percebem que o caminho a seguir não é nada claro. A situação continua mudando a cada semana e pode variar enormemente de região para região. Um dos desafios mais complexos é determinar quais comportamentos e tendências dos clientes vieram para ficar e quais poderão retroceder. As empresas que investirem nas capacidades erradas poderão ficar de fora, pois os concorrentes que oferecerem um novo patamar em experiência para seus clientes consolidarão sua vantagem.
Para vencer no novo normal, as empresas precisam identificar os comportamentos de hoje que definirão a experiência do cliente no curto prazo. Em seguida, precisarão garantir que as suas capacidades e estratégias de negócio estejam alinhadas com os comportamentos que identificarem. Consideramos que três prioridades definirão a experiência do cliente no mundo pós-pandemia: excelência digital, interação segura e sem contato físico e insights dinâmicos sobre o cliente. Cada organização buscará de uma forma diferente essas prioridades dependendo da indústria, do ponto de partida e do cenário competitivo. Muitas empresas já estão demonstrando sua percepção sobre o que importa para o cliente e formas inovadoras de atender suas novas e antigas expectativas. Essas empresas precursoras são um ponto de referência valioso sobre como proceder.
Novas tendências no comportamento do consumidor
Os consumidores estão reduzindo significativamente seus gastos em quase todas as categorias, antecipando tempos mais difíceis que virão. Essa tendência deverá persistir. Diante do pico da crise na maioria das economias ocidentais, mais de um terço dos europeus e norte-americanos disseram que sua renda foi afetada negativamente pela COVID-19. De fato, metade apontou uma redução de seus gastos nas últimas duas semanas e 40% dos norte-americanos e 44% dos europeus estimam que continuarão a gastar menos nas próximas duas semanas. Os gastos de uma forma geral deverão diminuir em 50% em todas as categorias de consumo, mas algumas necessidades básicas deverão ter crescimento: supermercado (até 14%), entretenimento (até 13%) e produtos domésticos (até 3%).1
A China, que está várias semanas à frente de outros países na crise da COVID-19, ainda espera os gastos dos consumidores voltarem ao normal. Uma pesquisa da McKinsey identificou queda de 30 a 60% nas despesas discricionárias, e de 20 a 50% nas transações de varejo. Essas mudanças são acompanhadas pela diminuição do tráfego físico nas lojas de varejo e pela crescente dependência de canais digitais focados em conveniência.
Aumento do tráfego nos canais online
Embora a flexibilidade financeira possa estar cada vez mais limitada, muitos clientes agora têm um excedente de tempo. As regras de isolamento social estimularam um uso recorde de plataformas online e digitais, e os consumidores estão complementando ou substituindo rapidamente atividades presenciais por equivalentes digitais. Além disso, estão passando muito mais tempo online: quase metade desses consumidores passou a usar ou aumentou o uso de streaming desde o início da pandemia. Ao mesmo tempo, a demanda por dados e banda larga disparou; como prova, um relatório recente de analytics na web revela que o volume de pesquisas no Google para “atualização do plano de dados” quadruplicou.
Em todo o mundo, as empresas se adaptaram rapidamente para acomodar a mudança em massa para os canais digitais. Todas as atividades possíveis—de refeições e supermercado a finanças, passando por educação e academias—agora têm equivalentes digitais ou online, muitos dos quais apresentaram utilização elevada. Quase todas as organizações, sejam elas empresas tradicionais ou start-ups, estão reorientando seus modelos de negócio para serem mais digitais. É muito provável que os consumidores darão preferência para diversos desses equivalentes digitais após a crise. Por exemplo, o mercado chinês antecipa que a penetração online terá um impacto permanente de três a seis pontos percentuais devido aos comportamentos incorporados durante a pandemia da COVID-19.
Maior ênfase em saúde e segurança
Os fortes efeitos da pandemia na saúde e as políticas de saúde pública em resposta a esses efeitos tornaram normais o distanciamento físico e a necessidade de saneamento. Uma pesquisa da McKinsey evidencia essa mudança, mostrando que a maioria das principais preocupações dos clientes com a COVID-19 estão relacionadas à saúde e à segurança, o que requer que as empresas tenham claras essas preocupações ao planejarem suas transições para o novo normal.
Essas preocupações levaram os clientes a mudar rapidamente a forma como desejam interagir com o mundo, priorizando a segurança e evitando contato físico. Em resposta imediata à pandemia, algumas empresas instituíram políticas para proteger os clientes. Supermercados reservaram certos horários de funcionamento para atender idosos. Alguns estabelecimentos de saúde implantaram um serviço de drive-through para permitir às pessoas fazer testes rápidos de COVID-19 com segurança, sem que precisem entrar em um estabelecimento. Em muitas cidades, os clientes agora podem fazer reparos em seus veículos solicitando o serviço pelo celular ou a retirada do veículo onde for conveniente. As empresas que se ajustaram demonstraram claramente seu entendimento do que importa para o cliente e sua disposição de se adaptar. Os clientes que se acostumaram com esse novo mundo sem contato físico podem não estar dispostos a voltar a um comércio de contato intenso, com lojas lotadas—mesmo que as autoridades considerem seguro.
Comportamentos que vieram para ficar
Os novos comportamentos do consumidor trazidos pela COVID-19 refletem uma aceleração de tendências, o surgimento de novas preferências e a reversão completa de algumas velhas rotinas. Esse mix de fatores continuará a evoluir e a formar a base do novo normal. A boa notícia é que as empresas têm o potencial para não apenas guiar o futuro comportamento do consumidor por indução—incentivar proativamente comportamentos que deverão persistir após a pandemia—, mas também se posicionar na vanguarda da definição da experiência do cliente no novo normal.
As empresas que mais tiveram sucesso até agora optaram por entender quais comportamentos e experiências estão ganhando força e por fazer investimentos voltados a atendê-los. Essa abordagem é mais fácil na teoria do que na prática: as empresas precisam, ao mesmo tempo, monitorar as tendências dos consumidores, adaptar seus modelos de negócio, planejar sua continuidade e garantir que seus funcionários estejam seguros e com saúde—e tudo isso administrando o caos e a ambiguidade da crise. Nesse ambiente, os executivos devem ter as habilidades para priorizar o que é mais importante e evitar a tentação de seguir as últimas notícias ou de se distrair com assuntos atrativos, mas superficiais. A onda de produtos e aplicativos desenvolvidos para atender demandas específicas do coronavírus pode saturar o mercado em breve, e veremos produtos de destaque chegar ao topo, enquanto outros não conseguirão capturar um tráfego significativo.
Para entender melhor os contornos do novo normal, nossa análise levou em conta as tendências do consumidor segundo dois critérios: o crescimento de usuários desde o início da pandemia e a probabilidade de os novos comportamentos persistirem (Quadro). Com essa perspectiva, segmentamos as atividades em quatro quadrantes:
- Retorno ao velho normal—experiências antigas ou menos relevantes que podem não sustentar os surtos de crescimento da COVID-19
- Animador . . . por enquanto—soluções paliativas com potencial para gerar erosão de usuários após a pandemia
- Potencial de ficar—novas experiências com momentum e potencial de consolidação no novo normal
- Aceleradores rápidos—substituições de alto desempenho de experiências tradicionais presenciais que deverão persistir no novo normal
Aceleradores rápidos, que incluem soluções como telemedicina, cresceram 91% desde o início da pandemia, com 48% dos consumidores expressando a intenção de adotá-los no longo prazo. Serviços com potencial de ficar, como aplicativos de bem-estar, tiveram crescimento comparativamente mais lento, mas são os que têm maior probabilidade de ser incorporados ao novo normal.
Na busca por garantir que seus produtos e serviços estejam solidamente posicionados nos quadrantes do lado direito da matriz, as empresas terão que equilibrar fatores concorrentes. Por exemplo, a conveniência continuará a ser uma prioridade para os consumidores, mas as pessoas também desejam a volta de uma interação de qualidade. Velocidade e tempos de resposta são importantes, mas não se resultarem em uma execução de baixa qualidade. Acima de tudo, as empresas precisam encontrar novas formas de criar uma experiência diferenciada para os consumidores.
Foco em três prioridades
No novo normal, as empresas vencedoras capitalizarão as oportunidades para se adaptar aos novos comportamentos do consumidor, atingir sucesso do negócio no curto prazo e fortalecer suas posições estratégicas no longo prazo. Esses esforços exigem que os executivos reinventem e reformulem a experiência do cliente através de investimentos bem definidos e direcionados, começando com três prioridades. As empresas que já criaram as bases antes da crise terão uma vantagem, mas todas as organizações têm a oportunidade de evoluir significativamente com uma tomada de decisão cuidadosa.
Preparar-se para uma recuperação digital
Os canais digitais ajudarão as empresas a atender as novas necessidades dos clientes e a se preparar para a futura disrupção da indústria. A barra da excelência digital, que já era alta antes da pandemia, está mais alta do que nunca.
Muitas empresas, de operadoras de celular a delivery de refeições, fizeram investimentos direcionados para construir ou aumentar suas capacidades digitais. Diversos temas surgiram. Empresas bem-sucedidas usaram uma abordagem ágil e iterativa e design thinking para identificar novas oportunidades digitais além de sua zona de conforto. Essas empresas também enfatizam as oportunidades digitais que fortalecem o negócio principal e criam as bases para uma transformação digital mais profunda. Algumas empresas expandiram suas capacidades digitais desenvolvendo seu portfólio por meio de M&A ou vendendo participações de menor potencial.
O compromisso permanente da Tesla de reinventar o processo de compra de carros usando o digital se mostrou especialmente profético. Seu showroom digital de última geração e o guia virtual para o usuário oferecem aos clientes uma experiência online imersiva, e a entrega do carro sem contato humano é customizada para o ambiente atual. Uma comunidade online ativa de proprietários aumenta o suporte ao cliente da Tesla. Para ampliar seu alcance online na China, o fabricante de veículos fez uma parceria com o Alibaba em uma loja online Tmall. De dezembro de 2019 a março de 2020, a Tesla viu suas vendas na China dobrarem enquanto outros fabricantes de veículos sofreram uma queda de 50% no mesmo período.
Na Polônia, a Orange desenhou e implementou a Flex, uma operadora totalmente digital, sem lojas ou call center. Os clientes usam um aplicativo para gerenciar todas as solicitações, de habilitação a serviços, roaming e mudanças de pacote. A Orange redesenhou o produto para trazer simplicidade e uma experiência ao cliente que possa ser intuitiva e satisfatória, embora remota. Em abril de 2020, as vendas da Flex aumentaram mais de 80%.
As empresas que aceleram suas soluções digitais podem ver um aumento do engajamento agora—a digitalização força a simplificação, algo que os consumidores adoram—e estar preparadas para operações de menor custo nos anos seguintes. Elas devem focar na criação de uma experiência virtual e digital que esteja no mesmo nível—ou até melhor que—que a experiência presencial. O sucesso nos canais digitais também tem potencial de reduzir os custos das vendas físicas e de aumentar o alcance: o maior compartilhamento da experiência virtual faz com que consumidores satisfeitos se tornem defensores da marca ou produto. Para expandir sua presença virtual, as empresas precisarão avaliar suas capacidades e determinar a melhor forma de expandi-las. Mesmo varejistas sem uma forte presença digital, por exemplo, podem fazer parcerias com lojas ou serviços online de delivery.
Aceitar uma jornada do consumidor segura e sem contato físico como padrão
Considerando os temores sobre saúde pública e o entusiasmo com as inovações das operações sem contato físico, abordagens seguras para oferecer produtos e serviços serão imprescindíveis. Os consumidores continuarão a recalibrar suas expectativas de segurança durante a pandemia e as empresas deverão responder a esses ajustes adequadamente. Ajustes simples, como métodos para facilitar o distanciamento físico nas lojas, já se tornaram onipresentes, se não compulsórios. No entanto, as empresas que oferecerem alternativas criativas para jornadas totalmente presenciais poderão melhorar a experiência do cliente e aumentar o retorno sobre o investimento.
Para determinar onde investir, as empresas deverão antes identificar interações presenciais em sua cadeia de valor que precisem de maior atenção. Ao abordar e priorizar riscos com base na segurança e nos riscos operacionais e financeiros, as empresas podem criar um roadmap e executar soluções imediatas e de longo prazo. O ambiente e as preferências dos consumidores continuarão a evoluir e, portanto, as empresas devem estar preparadas para se adaptar, rever e operacionalizar mudanças em toda a organização.
Empresas de todas as indústrias redesenharam seus processos para aumentar a segurança e demonstrar seu compromisso com consumidores e funcionários. As empresas de delivery implantaram remessas e embalagens sem contato físico, além de notificações de texto para evitar contato pessoal direto. Varejistas líderes se adaptaram rapidamente para oferecer pedidos online ou retirada segura.
A rede de supermercados Kroger dos EUA implementou uma série de medidas para atender a maior expectativa por segurança. A rede adaptou uma loja totalmente “clique e retire” para oferecer retirada de pedidos online. Para os clientes que optam por comprar na loja, a empresa oferece o Kroger Pay, uma ferramenta de pagamento que dispensa o contato físico, implementada antes da pandemia. Pensando nos funcionários, a Kroger instituiu um “hero bonus” (bônus para heróis) aos seus funcionários que estão trabalhando na linha de frente durante a pandemia. A parceria da Kroger com a Ocado para implementar depósitos automatizados de produtos, iniciada há 1 ano, aumentou sua resiliência. Coletivamente, essas medidas contribuíram para atingir fortes resultados: a Kroger anunciou que as vendas nas mesmas lojas aumentaram 30% em março de 2020 e que o preço de suas ações subiu na mesma porcentagem desde outubro de 2019.
As empresas que buscam enfatizar a segurança devem se concentrar em desenhar uma jornada sem contato físico de ponta a ponta, mas com um toque humano bem elaborado. Por exemplo, uma empresa de delivery de refeições inclui o nome do entregador no serviço, deixando claro que valoriza o bem-estar de funcionários e clientes. Ao duplicar a facilidade de acesso e o uso nos canais digitais e físicos, as empresas podem melhorar a segurança e a satisfação dos clientes.
Antecipar, e não apenas pedir, o feedback do cliente
O incremento do digital também significa que as empresas terão mais dados dinâmicos na ponta de seus dedos. Este é o momento de investir em dados, tecnologia e sistemas necessários para criar experiências excepcionais em um ambiente de rápida mudança. Esse investimento deve ter como objetivo antecipar e prever o valor para o cliente, assim como o seu sentimento. Normalmente, essa antecipação significa ser mais proativo e responder em tempo real, exigindo que as empresas dominem dados e ferramentas de analytics que possam extrair insights rapidamente sobre a experiência do cliente e superar a natureza imediatista e reativa das pesquisas.
Uma companhia aérea, por exemplo, desenvolveu um sistema baseado em dados usando machine learning para prever e reagir à satisfação do cliente e à performance de receita. O insight preditivo do sistema possibilita uma variedade de casos de uso, de mensuração de performance quase que em tempo real a planejamento estratégico, passando por estratégias proativas de interação, como programas de personalização e “surpreenda e encante”. Uma aplicação inicial permitiu à equipe responder a atrasos e cancelamentos com mais eficácia. Ao agir com base em sentimentos e resultados previstos do cliente, a companhia conseguiu focar melhor seus esforços naqueles com maior risco de cancelamento, aumentou em 800% o índice de satisfação e diminuiu em quase 60% a intenção de cancelamento.
Os investimentos nesses tipos de sistemas abrangentes, preditivos e baseados em dados permitem às organizações obter insights e responder mais rapidamente às necessidades do consumidor em tempos de crise. As empresas que capturam os dados de todos os clientes, e não apenas os dos participantes das pesquisas, têm uma visão mais precisa das suas necessidades e expectativas. Com essas informações, elas podem fazer intervenções mais efetivas para manter e conquistar a confiança do cliente, aumentar seu ciclo de vida e reduzir o custo de atendimento.
O novo normal será tudo, menos estático. O cenário de experiência do cliente está evoluindo a cada semana, de forma que as empresas não podem se acomodar, esquecer essa evolução e ainda esperar se destacar. Em vez disso, os executivos devem monitorar consistentemente as tendências de seus negócios—o que está em crescimento, estagnado e em declínio—em relação às estratégias atuais para identificar novas oportunidades nos quadrantes de aceleradores rápidos e potencial de ficar. Para responder rapidamente a um ambiente em constante mudança, as empresas precisarão de uma base ampla de funcionários que saibam estabelecer empatia com o cliente, aplicar insights sobre esse cliente e redesenhar a experiência por meio da excelência digital e da interação sem contato físico. Mais do que nunca, é o momento de as organizações investirem na construção dessas capacidades e aproveitarem todas as ferramentas de treinamento digital hoje disponíveis.
As empresas que avaliarem seu portfólio digital, mapearem as principais interações na cadeia de valor e focarem nos principais problemas de experiência do cliente estarão bem posicionadas para agradar seu cliente, independentemente de como as expectativas e preferências evoluírem.