Otimista, mas ainda cauteloso: como andam os hábitos de consumo do brasileiro

O brasileiro é um otimista por natureza. Porém, ao longo da pandemia, a incerteza sobre a situação econômica tomou conta de boa parte dos consumidores. Agora, com a retomada da normalidade, estamos mais confiantes e até nos permitindo alguns “mimos”. Mas, como “já vimos esse filme antes”, seguimos cautelosos e buscando formas de economizar. Otimista com o futuro, porém ainda austero e, de vez em quando, indulgente.

Esta é a imagem de quem consome no Brasil, capturada pela mais recente pesquisa da McKinsey & Company sobre o sentimento e os hábitos do consumidor, realizada simultaneamente em 10 países. O otimismo por aqui aumentou 12 pontos e atingiu o maior índice já capturado pelo levantamento, que é realizado pela McKinsey desde 2016.

Numa perspectiva global, estamos mais otimistas hoje do que os consumidores de mercados desenvolvidos como Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido – atingidos pela inflação e por questões geopolíticas. Por outro lado, estamos menos otimistas do que outros mercados emergentes, como Índia e China, que experimentam forte retomada da expansão econômica.

E se o sentimento do consumidor é o coração do mercado, esta pesquisa serve de bússola para os setores de consumo e varejo navegarem pelas oportunidades que emergem neste novo – e mais positivo – momento no Brasil.

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Diferentes realidades em um mesmo país

Apesar de o brasileiro estar mais otimista de forma geral, esse sentimento ainda não é homogêneo – e está diretamente associado à renda. Consumidores de nível socioeconômico mais alto viram sua renda e poder de compra aumentarem e, portanto, estão mais confiantes na economia e animados com as compras.

Já os consumidores de níveis socioeconômicos mais baixos ainda sentem o encolhimento da renda e a elevação dos gastos pesarem no orçamento doméstico. Estes demonstram maior incerteza em relação ao futuro e estão mais cautelosos na hora da compra.

Em todas as classes, o consumo segue fortemente influenciado por receios com a economia, sendo a preocupação com a alta dos preços a mais citada pelos brasileiros, seguida pelo desemprego. Com esses temores ainda no radar, apesar de otimistas, os consumidores mantêm a austeridade na hora de comprar e adotam estratégias para economizar.

Otimistas, sim. Cautelosos, também

Uma dessas estratégias é o corte de gastos. Nove em cada dez brasileiros afirmam ter reduzido gastos em alguma categoria de produto nos últimos três meses. Nesse quesito, itens como decorações e produtos para casa, vestuário e eletroeletrônicos – os chamados discricionários – foram os mais afetados.

Outra estratégia é o trade-down, a troca por marcas mais econômicas. Entre 2021 e 2022, ainda sob os efeitos da pandemia, o Brasil era o país campeão nesse tipo de troca entre os pesquisados pela McKinsey. Agora, estabilizado em 28%, esse percentual está bem próximo ao patamar registrado no início de 2020, antes da explosão da COVID-19 no país. Mas, apesar do trade-down ter diminuído, o brasileiro ainda não adotou o trade-up (troca por produtos e marcas de maior valor). Apenas 4% compraram um produto com preço mais alto nos três primeiros meses de 2023, reforçando o momento de austeridade.

Além de diminuir gasto e trocar de marca para economizar, o consumidor tem optado por reduzir a quantidade comprada: um em cada três consumidores adotou a prática de comprar embalagens menores, particularmente para itens essenciais básicos como mercearia, hortifruti e laticínios. Essa redução de quantidade é mais acentuada entre as classes mais baixas.

Em contraste com a redução de quantidade nos itens básicos, o trade-down segue sendo a tática mais frequente para itens essenciais não-básicos (como produtos de higiene, de limpeza e bem-estar) e discricionários (como vestuário e viagens). Por exemplo, na classe média, 33% compraram itens essenciais não-básicos de marcas mais econômicas, mas apenas 17% compraram embalagens de tamanho menor. Os itens discricionários também viram um número significativo de consumidores, cerca de um quinto, trocando de lojas ou sites para economizar.

Alívio momentâneo: consumidores dispostos a pagar pelo “eu mereço”

Mesmo diante de tanto esforço para economizar, o brasileiro tem deixado espaço para indulgências – os pequenos “mimos” do dia a dia. Nos momentos de alívio financeiro, o consumidor está disposto a ir ao shopping e comprar aquela jaqueta que desejava há algum tempo; ou, no mercado, experimentar uma bebida diferente; ou, quem sabe, deixar de cozinhar e ir a um restaurante celebrar uma ocasião especial.

Mais da metade dos consumidores disse que pretende investir nesses momentos nos próximos três meses. A intenção de gastar com indulgências é maior entre jovens e consumidores de renda mais alta. E entre os produtos e serviços desejados por esse público o vestuário lidera, seguido por beleza e higiene pessoal, calçados, supermercado e comida em casa.

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Jornada de compra “figital”: físico e digital lado a lado

A pandemia estimulou e acelerou a adoção da compra online mas, com o retorno à normalidade, o consumidor mostra que as lojas físicas ainda têm um papel relevante na sua jornada de compra. Nessa nova realidade, ganha relevância a ominicanalidade ou a experiência “figital” – com maior integração entre os canais físico e digital.

Na pesquisa de preço, o digital é o canal preferido, com 62% fazendo buscas online ou combinando físico e digital. Já em relação às compras, a preferência fica mais dividida, com 47% afirmando dar prioridade às lojas físicas. O comportamento, como esperado, varia de acordo com o tipo de produto a ser adquirido. Por exemplo, a pesquisa de compra de produtos essenciais básicos ocorre, na maioria das vezes, em lojas físicas por estarem atrelados a produtos de mercado e perecíveis. Já com os discricionários, o domínio é do omnicanal – em eletroeletrônicos, por exemplo, vemos 60% de combinação de físico e digital para pesquisa e 52% para a compra.

Como garantir lugar no carrinho do consumidor

Ainda que incipientes e mais acentuados em segmentos específicos, os novos hábitos do consumidor representam oportunidades emergentes para os setores de consumo e varejo. Aqui estão três estratégias que as empresas podem explorar para capturar valor:

  1. Sintonia entre sentimento e sortimento. A variedade na cesta de oferta dos varejistas deve “surfar” a onda de sentimentos e comportamentos do consumidor, como redução de tamanho para itens básicos e a predisposição pela compra “eu mereço”. Porém, parece que a hora de apostar no trade-up como tática de crescimento ainda não chegou: o consumidor tem se mostrado cético em comprar marcas mais caras sem um ganho claro associado.

  2. Táticas comerciais cada vez mais direcionadas. As diferenças observadas por região, nível de renda e categoria de produto são significativas, afetando jornadas de compra, sensibilidade a preço e lealdade a marcas. Varejistas e fabricantes devem buscar executar de forma cada vez mais customizada as suas ações por canal, região e segmentos, explorando possibilidades de maior personalização com canais digitais.

  3. Zoom in no consumidor. Para desenhar ações granulares e eficientes no ambiente omnicanal, o conhecimento sobre a jornada de compra e as decisões do consumidor é fundamental. Hoje, com múltiplas fontes de dados, é possível atualizar de forma frequente as informações sobre o comportamento de quem compra. Mais do que desejável, trata-se de um diferencial para as empresas que adotarem essa prática.

Essa é a fotografia do momento. E, para aproveitar os aprendizados captados, é preciso agir rápido. Dentro de seis meses, vamos realizar uma nova pesquisa, ampliando os achados desta edição ou identificando novos hábitos e tendências. De qualquer forma, teremos boas pistas de como estará pulsando o coração do mercado – o consumidor.

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